Em Sergipe, jovens de territórios ribeirinhos e urbanos apostam em projetos sociais para fortalecer meio ambiente

Iniciativas como o Pescando Memórias e Coletivo Camaleão Urbano contribuem para o fortalecimento do meio ambiente em Sergipe

Por Díjna Torres, da agência Mangue Jornalismo
Projeto Redação Nordeste [*]

Em São Braz, no município de Nossa Senhora do Socorro, a 25 quilômetros de Aracaju, o projeto Pescando Memórias faz do resgate da história e do fortalecimento da identidade local um caminho para valorizar e preservar o meio ambiente. Banhado pelo Rio do Sal e pelo Riacho do Moleque, o povoado, que surgiu na década de 1940 com apenas três cabanas de pescadores e uma fazenda de sal, hoje reúne cerca de 40 moradias e é local de carcinicultura.

Nascido em São Braz, Givanildo dos Santos criou, quando tinha 20 anos, o Pescando Memórias, juntamente com a esposa, Isabela Bispo, na ideia de estreitar os laços com o passado de tradição pesqueira e ribeirinha. Em vez da pesca, atualmente são ocupações como pedreiro e manicure que dão renda a boa parte da comunidade.

Um dos objetivos do projeto é discutir a preservação de um território que beira o rio e fornece a subsistência das famílias, com trabalho de consciência ambiental para a preservação das águas a partir de ações de limpeza, educação ambiental e preservação da memória. São iniciativas que constroem e reforçam não somente a identidade do povo como a autoestima da população ribeirinha, de pescadores e de marisqueiras.

Além da questão ambiental, o Pescando Memórias desenvolve oficinas que geram renda e envolvem todas as idades, ensinando crochê, macramê, uso de madeira para embarcações, customização de sandálias, boas práticas alimentares e capoeira. As ações já impactaram cerca de 20 mil pessoas de Nossa Senhora do Socorro e dos arredores. 

Givanildo, que é pescador, assim como o pai e os irmãos, viu no processo solidário e criativo uma forma de resgate histórico cultural que ampliasse os olhares sobre os costumes, as crenças e as tradições do povoado e disseminasse informações a outros jovens por meio também de oficinas de cultura popular e artes visuais.

“O resgate da memória e do fortalecimento da identidade é uma forma de transformar a realidade”, ensina Givanildo. “Isso aqui só era mostrado de maneira negativa, como se fosse um lugar ruim. E hoje a gente já conseguiu mostrar as transformações que fizemos”, comemora. Em meio ao cenário de mudanças climáticas com destruição de territórios, injustiças e racismo socioambiental, o projeto é uma forma de buscar soluções e trazer novos horizontes, sobretudo para crianças, jovens e mulheres.

Gilmaria de Andrade Cruz Santos, de 26 anos, e seus dois filhos, de 10 e 6 anos, vivem no povoado São Braz e o Pescando Memórias mudou a vida da família. “Eu não trabalhava porque sofria de transtorno de ansiedade e depressão. Depois do curso (de culinária), minha vida mudou muito porque comecei a colocar coisas em minha mente e pude oferecer uma alimentação melhor para meus filhos. Através do projeto, realizei o meu sonho de participar do curso de culinária, porque eu nunca tive essa oportunidade. Meus filhos hoje têm outros pensamentos, eles pensam num futuro melhor. Com o projeto, eles viram que têm a possibilidade de fazer cursos, de crescer e por isso eu agradeço demais por essa transformação em minha vida e de minha família”, celebra.

São Braz é um território na mira da especulação imobiliária, de indústrias e de empreiteiras, com o aval do poder público. Essas iniciativas não somente problematizam e dão visibilidade a questões de suma importância como apontam caminhos e pressionam o poder público e a sociedade por soluções. “Aqui é uma comunidade tradicional. A gente sofre bastante porque, por exemplo, essa do campo o governo estadual doou para fazer um condomínio. Daqui a pouco, a gente vai ser o quintal do condomínio”, explica Givanildo. 

“A gente vem trabalhando com a comunidade de forma que eles aprendam a empreender com o que têm e a lutar pelo território, porque não dá para esperar pelo poder público ou pela iniciativa privada. Se tivéssemos mais incentivo e apoio de outras instâncias, certamente teríamos avançado muito mais e transformado muitas outras vidas ”, reforça.

Em 2023, o retorno dos editais de financiamento para projetos acendeu a esperança de Givanildo para conseguir mais recursos para o Pescando Memórias, que se sustenta também com doações. Mas, sem o apoio da iniciativa privada, reforça ele, ainda é muito difícil realizar as ações como o projeto gostaria.

Intervenção urbana sustentável e educação ambiental

Saindo do norte da grande Aracaju e partindo para o outro lado da cidade, está o Coletivo Camaleão Urbano. Iniciativa que nasceu em 2017, o grupo multidisciplinar reúne jovens estudantes para realizar ações em áreas degradadas da cidade. 

Atendendo populações em situação de vulnerabilidade social e promovendo intervenções urbanas nos espaços públicos, o Camaleão foca em projetos colaborativos, educação ambiental, reciclagem, plantio de mudas, disseminação da arte regional e grafitagem. O grupo é formado por alunos de arquitetura e urbanismo, artes visuais, gastronomia, fisioterapia e engenharia florestal das universidades Tiradentes (Unit) e Federal de Sergipe (UFS).

Dauane Santana, de 28 anos, estudante de arquitetura, conta que um dos trabalhos do grupo foi construir um mapeamento participativo da comunidade Vitória da Resistência, no bairro Lamarão, zona periférica da capital. A ação, que durou cerca de um ano, consiste em mapear as histórias dos cidadãos que fazem parte das comunidades, suas dificuldades e seus planos futuros para tornar o local mais inclusivo, mobilizando os moradores para transformar espaços com materiais doados e motivar as pessoas através das oficinas artísticas e de educação ambiental.

Outros projetos do Camaleão são o (Re)Viva o Parque, de revitalização do parque infantil do Parque dos Cajueiros, na zona sul de Aracaju; a Semana Lixo Zero; plantio e educação ambiental no Residencial Vitória da Resistência; e intervenções na Praça General Valadão. 

“A gente plantou as árvores e vimos a reação das pessoas como se estivessem sem acreditar que nós voltaríamos. A praça não tinha nada, era tipo um descampado e o chão era de terra batida. A gente plantou, fez canteiro com pneu, oficina de grafite, além de outras ações de bem-estar e educação, uma vez que muitas dessas comunidades são relegadas e esquecidas”, relata Dauane.

Raíla da Silva, de 26 anos, é coordenadora de base do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto  (MTST) e conheceu o Coletivo Camaleão através do movimento. “Eu nunca tinha feito curso, foi algo gratificante tanto para mim quanto para minhas companheiras. O projeto teve um impacto para as comunidades porque, aqui na ocupação Beatriz Nascimento, hoje a gente pode dizer que tem uma formação e isso é muito importante, principalmente para uma mulher preta e mãe como eu, que já sofre tanta discriminação na na sociedade”, celebra.

Raíla e suas companheiras fizeram parte do projeto Sabor da Resistência, do Camaleão, patrocinado pelo Instituto Precisa Ser e pela Farm, através de um edital de 2022 voltado para ações urbanas periféricas no Brasil. Tendo como objetivo o empoderamento feminino e o fortalecimento econômico na ocupação que fica no bairro de Japãozinho, as mulheres participaram de aulas e oficinas de gastronomia de salgados, nutrição e marketing para venda de alimentos. Também houve doação de carrinho para vendas itinerantes e uso compartilhado da comunidade.

Larissa Teresa, de 28 anos, arquiteta que também faz parte do coletivo, detalha que, para realizar essas ações, há uma frente de financiamento com a venda de produtos oficiais do Camaleão, a exemplo de bottons com estampas exclusivas, copos e caderninhos. Outra parte do dinheiro é proveniente de editais que já foram aprovados e os próximos que elas buscam se inscrever.

“Sempre com o intuito de contemplar a tríade do desenvolvimento sustentável nos espaços: o social, o econômico e o ambiental”, explica Larissa. 

Na visão da estudante de arquitetura, “o conceito da sustentabilidade é o equilíbrio entre meio ambiente, sociedade e fator econômico”. “Não é só falar de árvore e de meio ambiente. É envolver as pessoas, ver a questão da qualidade de vida”, detalha, contando que o Camaleão hoje recebe muitos convites de escolas e instituições e até de shopping. 

“Ainda há uma dificuldade em popularizar os benefícios da sustentabilidade e da educação ambiental e como isso proporciona qualidade de vida à população, seja através de intervenções em espaços públicos para tornar o ambiente mais acolhedor e seguro, seja proporcionando cursos para empoderar e elevar a autoestima da comunidade, melhorando assim índices econômicos. Isso tudo é atravessado pela questão ambiental”, pontua.

Fonte: Mangue Jornalismo

[*] Quem são, o que pensam e o que fazem jovens ativistas do meio ambiente de territórios periféricos, rurais e ribeirinhos do Nordeste? É com essa provocação que o projeto Redação Nordeste publica a série especial de cinco reportagens “Jovens ativistas socioambientais do Nordeste”. Participam deste trabalho conjunto as organizações de jornalismo independente Afoitas (PE), Conquista Repórter (BA), Mídia Caeté (AL), Ocorre Diário (PI) e Mangue Jornalismo (SE).

Enquanto o aumento da temperatura provoca efeitos mais rápidos sobre o planeta do que as decisões mundiais para atenuar a crise climática, projetos inspiradores se fortalecem em diversos territórios por uma questão de sobrevivência. Representando as populações mais atingidas pela crise e pelas injustiças socioambientais, jovens marcam presença e assumem a linha de frente para transformar o lugar onde vivem. Nesta série coletiva, você vai conhecer a história e a capacidade de mobilização e organização da juventude e de organizações e movimentos locais. 

A Redação Nordeste é a união de organizações de jornalismo independente de oito estados nordestinos, que consolida um trabalho cooperativo, integrado e aprofundado de jornalismo com foco nas pessoas. Esta rede nasceu em 2023 e recebe o apoio da OAK Foundation e International Fund for Public Interest Media (Ifpim).

Edição e mentoria de Raíssa Ebrahim, da Marco Zero

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