Por Professor Chico [*]
Articulista que escreve às sextas-feiras
Nesta semana em que escrevo este texto aqui para vocês a nossa Fernanda Torres ganhou um Globo de Ouro por sua atuação no filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, onde a atriz interpreta Eunice Paiva, a esposa do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e morto pelo Estado durante a ditadura militar de 1964-1985.
O drama trata de como uma família comum com laços políticos com ativistas que faziam oposição ao regime de 1964 tem sua rotina interrompida pela saída de Rubens para depor sem nunca mais voltar. Com uma trilha sonora impecável a julgar por “É preciso dar um jeito meu amigo”, de Erasmo Carlos e filmagens similares as que os membros dessa família que embora rica e branca do interior paulista o filme serve de exemplo categórico de um período arbitrário e danoso de nossa história. Além disso, conta com uma quase incorporação da personagem Eunice, por Fernanda.
A trama mostra uma mulher forte, humana e indignada, nunca resignada, que combate as injustiças em seu país a partir do que aconteceu aos seus e posteriormente se torna uma advogada ativista pelos direitos humanos e sobretudo dos povos originários do Brasil. Qual a importância de um filme como esse nesse momento da história do Brasil?
O ex-ministro Jarbas Passarinho, provavelmente por mea culpa, admitiu e repetiu várias vezes que houve tortura no regime militar. Roberto Campos enquanto parlamentar tivera boas relações com o também senador comunista Luis Carlos Prestes. Delfim Netto, recém falecido, signatário do AI5, falou de arbitrariedades sem remorsos e com franqueza.
Com alguma frequência fala-se sobre a nossa Lei de Anistia de fins dos anos 1970 para apontar onde erramos desde quando se começou a transicionar (e transacionar) para o retorno à democracia, mas ela não é por si só o que temos de pior nesse processo.
A Constituição Cidadã de 1988 teve lutas e costuras por mais direitos sociais e por tentativas de reformas que criaram o que chamamos de nova república. Rejeitamos o parlamentarismo, não mexemos na pretensão salvacionista das forças armadas e tínhamos uma lei de impeachment dos anos 50 do século XX que num congresso empoderado e numa classe política assustada poderia dar num “voto de desconfiança” para salvar a própria pele, como foi o impedimento de Dilma Rousseff.
Em 2008, a então ministra chefe da casa civil respondeu com veemência e emoção ao senador Agripino Maia, velho remanescente da ARENA, depois PDS e PFL no DEM ao ser indagada por ter dito que mentira na ditadura. A ministra disse que mentiu e se orgulhava por ter feito isso e salvar colegas naqueles tempos e ali ela e o senador estavam em momentos diferentes de suas vidas e o senador era aliado do regime e ela torturada. Na democracia se diz a verdade e se dialoga com diferentes que inclusive não ameaçam a vida de quem pensa diferente, como se faz na ditadura, completou a então ministra.
Em 2013, eu jovem pesquisador tinha 22 anos e vi aqueles gritos de sem partido nas ruas da nossa Aracaju com a preocupação de quem sabe que naquele ano embora com donos e com incipiente nova roupagem de penetração social e pouco trabalho por democratização, os partidos são fundamentais para uma democracia como a nossa. Não precisam ser quatro dezenas, mas são importantes, tem liga e representação de setores do país.
O ex-presidente Jair Bolsonaro cuspiu numa estátua de Rubens Paiva na Câmara Federal em evento em sua homenagem em 2014, homenageou um torturador conhecido pela ex-presidenta Dilma em seus tempos de guerrilheira contra a ditadura.
Jair nunca escondeu seu desapreço pelo Estado Democrático, desde o plano de explodir uma adutora para reivindicar salários e debelar o ímpeto da abertura democrática até a célebre entrevista que concedeu nos anos 1990 falando que se fosse presidente instauraria uma ditadura e mataria o então presidente FHC, sociólogo carioca radicado em São Paulo e filho e neto de militares e até quando desejou a morte de Dilma, “de câncer ou de infarte”.
Militar reformado, considerado mau militar por colegas de patentes superiores, inclusive. Caberia mal até numa frase de comparação com a mulher, Dilma Rousseff. Essa última enfrentou a tortura nos anos de chumbo e juventude e ficou cara a cara um julgamento de impeachment no senado com velhos companheiros de guerrilha que conheceram sua dignidade através das décadas.
Afastada pelo temperamento e perseguição de setores da política acessados pela Lava Jato, Dilma se resignou, apesar do prêmio de consolação dado com um sorriso amarelo de quem reconhece que não fez algo para se orgulhar, a presidenta não perdeu os direitos políticos, como a lei previa, mas enfrentou seu calvário, diferente de Collor em 1992.
O ex-senador Aloysio Nunes achava que seria melhor deixa-la sangrar até 2018 e quem sabe ter a possibilidade de um nome do PSDB voltar ao cenário do executivo federal. O que vimos foi a continuidade ou talvez consolidação da direita digital e das ruas que veio no pós-2013 através da eleição de Bolsonaro.
Esse ex-capitão também inovou sendo o primeiro presidente da nova republica que tentou a reeleição então conseguiu. Mas isso sinda ocorreu sob acampamentos em frente a quartéis, mobilizações
de caminhoneiros e militares e uma trama de assassinato e golpe de estado que está em investigação.
Nessa semana também completam dois anos do 08 de janeiro de 2023 e o filme de Walter Salles diante da necessidade presente que temos de repreender com “ódio e nojo”, como diria o complexo Ulysses Guimarães, toda a forma de ditadura aponta para o fato de que o autoritarismo ainda está entre nós e talvez nunca vá embora se formos buscar nossas características históricas e visualizarmos nossas tendências.
Apesar disso sempre haverá resistências porque tivemos e temos Eunices, Fernandas, Dilmas, Rubens, Brizolas, Paulo Freires, Darcys Ribeiros e milhares de homens e mulheres em nossa história que lutaram e lutam obstinadamente por justiça, memória, verdade e dignidade na história do Brasil. Ditadura nunca mais!
[*] Francisco Emanuel Silva Meneses Alves é cientista social, articulista, comunicador político @politica_facil_ (no Instagram), Membro da Rede Estadual de Educação e Idealizador do projeto “Politica Fácil” enquanto professor temporário de sociologia na rede estadual de Sergipe