Quem tem medo do professor?

Artigo escrito pelo cientista social Francisco Emanuel, carinhosamente conhecido como professor Chico

Por Professor Chico [*]
Articulista que escreve às sextas-feiras

Não. Ainda não estamos no dia 15 de outubro, minha audiência querida. Como filho de professores sindicalizados, aluno e também professor, eu posso dizer que cresci vendo muitas coisas em termos de como funciona uma escola pública sobretudo. Da merenda escolar até a gestão e situações vividas por alunos.
Infelizmente estamos acostumados a ver autoridades dos diferentes poderes da República no Brasil falando que professor é a profissão mais importante e\ou mais nobre que existe. Um lugar comum no debate público é que o professor deveria ganhar melhor e por vezes se diz que até mais do que os demais profissionais.

No entanto, nossos políticos geralmente não envidam tantos esforços por isso quando podem.
Como aquela propaganda do governo federal com Dira Paes, de fato, temos uma infinitude de pessoas que formamos em toda a nossa trajetória. Eu que sou jovem já tenho alunos com destaque nas áreas de conhecimento que seguiram. Minha mãe, professora aposentada, que tem 64 anos, certa vez pegou o ônibus errado para vir para minha casa aqui em São Cristóvão e após dizer para onde pretendia vir foi ensinada do caminho certo para a região onde moro por uma ex-aluna de décadas passadas que encontrou num táxi lotação.


Nossas falas, nossos silêncios, nossos conselhos, nossos exemplos, nossa figura na sala de aulas inevitavelmente representa muitas coisas, para o bem e para o mal. É por isso também que máquinas e aulas gravadas e por si só vistas como revolucionárias e facilitadoras não substituem a nossa presença e tirocínio em sala de aulas.


Já presenciei alunos dedicados que diziam que não iria fazer o ENEM porque seus pais consideravam que não era importante fazê-lo e os convenci a mudar de ideia. Já vi alunos abandonarem a escola para trabalhar. Pude ver o potencial de alunos com as características dos nossos jovens contemporâneos – muito presos aos celulares – falando de democracia e juventude a uma plateia de alunos, professores, entidades do terceiro setor e políticos e se saindo muito bem.


Pode-se até dizer que é necessário ter uma escola sem partido, mas não uma escola sem política. Por que razão não temos uma escola sem política? 


Eu, enquanto professor de sociologia, que trabalho com educação para a democracia digo e preciso dizer anos meus alunos que democracia é um regime em que a maioria simples escolhe os seus representantes e quem perde não invade prédios públicos para depredá-los, não trama golpe de Estados, não muda a composição dos poderes da República para compor judiciário que se predisponha a satisfazer suas decisões, tampouco idealiza um projeto que permita a outro poder revisar as ações do seu judiciário.

No meu trabalho levei políticos a esquerda e à direita, exibi vídeos, tratei dessas noções e sempre ouvi e dei voz às falas dos alunos nesse sentido. Sempre pontuando sobre os limites entre democracia e autoritarismo, o que é tolerável e as regras do jogo democrático.

Meus alunos sabem de minhas crenças, opiniões político-partidárias e pessoais sobre questões e figuras, mas eu nunca os tolhi por perguntas e opiniões ainda que divergisse na exposição dessas.  Parto do entendimentos de que a sociologia deve servir para desmistificar o senso comum sobre gênero, racismo, classe social, poder e política, religião, etc. E trata-se de uma ciência situada histórica e espacialmente de forma diversa. Como nossa socialização primária se faz na família e não própria escola, aqui também entram às igrejas, essa desmistificação não visa mudar as concepções (ainda que possa) que os alunos trazem de casa. A ideia é fazer as ideias de autores clássicos circularem e se relacionarem com as noções que eles já tem para a compreensão das temáticas discutidas sempre com preocupações voltadas ao respeito aos direitos humanos e a democracia.


Dito isso, a ideia de que é preciso ou necessário abrir canais de denúncia sobre a suposta ideologização feita por professores como fez uma vereadora eleita em Aracaju agora em 2024 soa como uma cortina de fumaça diante dos problemas do cotidianos das nossas escolas. Falta de professores, falta de ar condicionado em escolas de municípios até do sertão sergipano. Falta de apoio em termos de materiais didáticos aos professores, a não realização de concurso há mais de uma década, vários casos de professores de outras disciplinas completando suas cargas horárias em sociologia e filosofia, por exemplo. 

E óbvio que existem professores que fazem pregações ideológicas, mas isso ocorre a direita e à esquerda e também se dá com juízes, delegados, empresários, advogados, sindicalistas, médicos, entre outras profissões que atuam ideologicamente em suas áreas e menos do que controlável isso merece reflexões e análises, claro que separadamente, com a serenidade necessária sob pena de se buscar uma depuração ideológica se não impossível desnecessária.


Uma coisa é eu dizer que político A ou B é bom. Outra coisa é eu usar uma classificação teórica que enquadre político A ou B num certo ponto do espaço ideológico. Essas escolhas são ideológicas e podem ser confrontadas, mas não necessariamente devem ser combatidas, mas explicadas com o cuidado de situá-las na teoria social.


Quando um tribunal dá um ganho de causa para um governo em detrimento de um sindicato, mesmo que com base numa determinada interpretação da lei, isso também não pode ser visto como político? Se pessoas são subjetivas, então porque essa gana de objetividade onde há tantas paixões e interesses? Não existe neutralidade axiológica em Ciências Humanas, o que há é a busca de uma explicitação dos valores inclusive para de explicar as escolhas presentes nas pesquisas.


No último dia 14 de janeiro do incipiente ano, o Governo Federal lançou um programa para incentivar os jovens a buscar às licenciaturas com uma bolsa, com uma contrapartida de ingressarem no trabalho com o ensino nas redes públicas e a previsão de uma prova nacional de avaliação dos professores. Sem uma efetividade do cumprimento da lei do piso salarial e a melhoria salarial, os estudantes que tiram mais de 650 pontos não vão buscar a profissão de professor, como disse um aluno meu que está cursando duas licenciaturas. Para quê? Para terem altas cargas horárias e baixa ou insuficiente remuneração?


Enfim, todos, todas e todes nós que estamos ou estivemos em sala de aula somos a porta de entrada nas mentes que tocamos com nossas palavras e muitas vezes abordagem para a solução de questões sobre saúde, violência doméstica, religiosidade, cidadania enquanto direitos, deveres, instituições e mobilização social.


Fazemos sempre o que está ao nosso alcance e por isso precisamos de um sindicato forte, um concurso, salários melhores para pagar os boletos e cuidar da nossa saúde mental, por isso merecíamos um discurso bem mais feliz, como diria Leci Brandão.

[*] Francisco Emanuel Silva Meneses Alves é cientista social, articulista, comunicador político @politica_facil_ (no Instagram), Membro da Rede Estadual de Educação e Idealizador do projeto “Politica Fácil” enquanto professor temporário de sociologia na rede estadual de Sergipe

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