Opinião – Vivemos no futuro: a era em que o registro vale mais que a experiência

Artigo escrito pelo advogado Wesley Araújo

Por Wesley Araújo [*]

Você já reparou como deixamos de viver o agora para planejar o que vamos mostrar depois? Em uma era dominada pela necessidade de compartilhar, o instante perde a majestade para o registro a experiência real é substituída pela expectativa da postagem. 

Assistimos a um show pela tela do celular, contemplamos uma paisagem já pensando na melhor legenda, celebramos encontros preocupados com o ângulo da fotografia. Vivemos permanentemente projetados no futuro. Antes que o momento se complete, já pensamos em como será editado, apresentado, validado. A vida deixou de ser experiência íntima para se tornar performance pública. 

Não basta viver é preciso comprovar. Não basta sentir é preciso provar que se sentiu. E assim, trocamos o sabor do presente pela ansiedade do reconhecimento futuro. Nesse processo silencioso, o mundo deixou de ser contemplado como um fim em si mesmo e passou a ser um grande cenário para a construção de narrativas pessoais. Viajamos menos para conhecer e mais para sermos vistos viajando. Amamos menos para sentir e mais para mostrar que amamos. O agora é sacrificado na esperança de aprovação que virá talvez amanhã. 

Vivemos tão presos à necessidade de registrar que esquecemos que o tempo não volta. O pôr do sol que filmamos não é o mesmo que poderia ter aquecido nossa alma. O sorriso capturado na fotografia não substitui o calor do abraço que poderia ter sido mais longo. A felicidade demonstrada ao outro nem sempre corresponde à plenitude que não vivemos. Essa lógica nos impõe uma pergunta incômoda: estamos realmente vivendo? Ou apenas encenando para um público invisível, cada vez mais insaciável? Ao transformar a experiência em moeda social, perdemos a inteireza do momento. 

O que deveria ser vivido com profundidade é reduzido a um “story” de quinze segundos. O que deveria ser guardado na memória é arquivado em nuvens digitais, muitas vezes jamais revisitadas. Talvez o maior desafio contemporâneo não seja conquistar mais seguidores ou registrar momentos perfeitos. 

Talvez seja reconquistar a capacidade de estar inteiro no presente sem a ansiedade de eternizá-lo, sem a necessidade de expô-lo. Porque enquanto vivermos sempre no futuro, enquanto o que vale for a vitrine e não o vivido, permaneceremos órfãos do agora e o agora é tudo o que, de fato, possuímos.

[*] é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos.

Artigo publicado originalmente no portal FanF1 Artigo – Vivemos no futuro: a era em que o registro vale mais que a experiência – Fan F1

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