A política, as ideologias e a vida como ela é

Artigo escrito pelo professor Francisco Emanuel

Por Francisco Emanuel Silva Meneses Alves [*]

Como eu costumo dizer inúmeras vezes em sala de aula, em artigos publicados, em entrevistas, debates, conversas e etc. Partido é política, mas nem tudo que é política é partido.

Sobre ideologias, é importante considerar as duas principais acepções desse termo. A primeira como um conjunto de crenças de um determinado grupo e a segunda, segundo Karl Marx, como um conjunto de crenças falsas erguido pela classe dominante com o intuito de manter subjugada a classe dominada. Dito isso podemos concluir que conforme a primeira acepção todos nós temos ideologia e pela segunda acepção certas ideias imersas no senso comum são bem ideológicas.

Trazendo as pontuações sobre o que é política e o que é ideologia vamos a alguns fatos do cotidiano.
Alguns governantes de oposição ao atual partido do governo federal se recusaram a participar dos atos alusivos ao 8 de janeiro 2023 com a justificativa de serem atos políticos.

Aqui em Sergipe, no recente episódio flagrado em vídeo da troca de agressões entre um motorista e duas mulheres trans culminou na troca de críticas entre dois delegados com reconhecida vida partidária ativa.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL) disse que não iria para os atos pelo 8 de janeiro de 2023 por questões pessoais, mas frisou certo caráter partidário nisso, mas esse mesmo deputado talvez não tenha considerado que se encontrar com o ex-presidente da república Jair Bolsonaro perto dessa data tenha sido um ato político.

Fui criado num ambiente com um casal de sindicalistas (pai e mãe), professores e meu pai teve vida partidária ativa por longa data. Isso quer dizer que eu no mínimo tenho uma visão específica sobre a importância e o significado de um sindicato, sobre a importância da profissão de professor e sobre a importância de partidos políticos. Meu pai inclusive já foi candidato a vereador.

Existem políticas de governo, política econômica, o tempo (ou a época) da política (campanhas eleitorais), a política como o fato de se viver em coletividades, a politica como as coisas concernentes ao poder e/ou ao poder do Estado.

Lembro-me de estranhar os gritos de “sem partido” nas manifestações de 2013. Naquela época eu ainda não tinha adentrado num partido político, mas já acompanhava e votava em quadros do partido onde estou filiado. Pesquisava organizações partidárias e os significados de alguma profissionalização nessas.
Como eu me situo no espectro da esquerda com socialismo e liberdade considero que há razoável importância na pluralidade de partidos, na existência de eleições e na consideração ideológica dessas instituições.
Por exemplo, o MDB tem uma fundação que defende ideias liberais na economia e certa presença do Estado em várias áreas; o UNIÃO BRASIL, também tem sua fundação e é eminentemente liberal na economia e na política; O PT tem sua fundação é intervencionista em ambos os sentidos; O PSOL tem sua fundação e se assemelha em alguns pontos com o PT com atenção mais enfática sobre a ecologia e a diversidade; o PSDB tem sua fundação e é liberal na economia e razoavelmente social-democrata em pautas sociais; O PDT é ampla e abertamente intervencionista e herdeiro do trabalhismo varguista desde sua fundação até os herdeiros do brizolismo ainda atuantes.

Por qual motivo eu citei os partidos e suas fundações aqui?

Na lógica do sistema político e eleitoral no Brasil os partidos ocupam sem sombra de dúvida um papel importante na junção, representação, disseminação e aliança de ideias.

Mas como as realidades são variáveis no espaço e na história e “é no andar da carruagem que as abóboras se ajeitam” pode acontecer que um governo do PT que é abertamente intervencionista e social nas suas diretrizes componha com o UNIÃO BRASIL, o PROGRESSISTAS e o REPUBLICANOS que ideologicamente tem pouco a ver com o Partido dos Trabalhadores.

Trata-se de um governo de coalizão (o trocadilho com colisão com certeza vale bem), além do fato de as situações municipais, estaduais e nacionais muitas vezes exibirem um político profissional liberal num partido de esquerda ou um político profissional de esquerda num partido liberal por conveniência e/ou estratégia, mas isso de maneira alguma esvazia o conteúdo político e ideológico desses atores e instituições em questão.

Há ainda os partidos de tendências, como o próprio PT e o PSOL, que tem grupos com pautas específicas e fóruns adequados de concorrência e discussão das teses dos diferentes grupos. Isso para a direita soa como confusão e estado de natureza e para a esquerda é democracia interna, pluralidade de vozes e centralismo democrático.

Dito tudo isso com os exemplos supracitados é cristalino que os governantes que se recusaram a ir para o ato em memória da invasão fizeram uma escolha política, suas ausências tem significados políticos e suas palavras ou silêncios sobre os atos de depredação representam visões de mundo ideologicamente bem específicas de certa direita como a que rejeitava os partidos no pós 2013.

O presidente da Câmara dos Deputados, ao chamar de partidário um ato com os chefes dos poderes e se encontrar com o ex-presidente que é direta e indiretamente influente sobre as pessoas que praticaram os atos de vandalismo contra as instituições em 2023 está fazendo o gesto político de dizer que não é pró o partido que governa o país e que admite estar com alguém que lidera pessoas que eventualmente chegam às vias de fato na violência.

Sobre o caso da troca de agressões entre duas mulheres trans e o debate que isso gerou entre dois delegados de polícia civil aqui no estado de Sergipe recentemente ocorre que:

O delegado André Davi é um bolsonarista conservador que defende uma linha dura para a segurança pública e o delegado Mário Leony é um ativista dos direitos humanos e de uma segurança pública humanizada e é um progressista de esquerda.

Prestem atenção no fato de o trabalho de André e Mário ser algo desgastante, violento e bem sério e como ambos trabalham com pessoas e situações drásticas tem de lidar com comunidades, se envolvem com essas e criam laços de simpatia onde trabalham.

A ideologia de André o faz tecer considerações de certo tom discriminatório em gênero e classe social com algumas populações de onde trabalha inclusive em Redes Sociais e participações em programas de TV sensacionalistas enquanto a militância de Mário o faz não descriminalizar os delitos investigados no caso envolvendo as pessoas trans, mas trazer luz para o fato de que se a gente não tratar com o devido cuidado cada grupo social dentro de suas condições de maior ou menor vulnerabilidade não estaremos sendo justos, mas poderemos estar sendo omissos ou mal intencionados.

Sendo assim, a profissão de Mário Leony e André Davi está envolta com política e por coincidência ambos tem filiação partidária, mas as formas de agir de ambos têm um toque ideológico que prescinde esse episódio midiático dos últimos tempos.

Então, gente precisamos abandonar a ideia de que algo ideológico ou político é pejorativo, pois todos temos visões de mundo, todos temos atuações políticas e muitos de nós atuações partidárias e a politica não é feita só de partidos. Muitas vezes a política e a ideologia estão na acusação carregada da intenção de ser pejorativo, no falso rótulo do “sem partido”, nos rankings de corrupção bancados por instituições e fundações privadas com interesses bem específicos e na pretensão mascarada de não querer cooptar, mas já cooptando.

Política é coisa de gente, gente diversa em cor, raça, credo, sexo, identidade de gênero, época e lugar da humanidade e quem se recusa a fazê-la fica a reboque de quem a faz.

[*] Francisco Emanuel Silva Meneses Alves é cientista social, articulista, membro da insurgência PSOL, comunicador político @profchicocompolitica (no instagram) e professor substituto de sociologia na rede estadual em Sergipe

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