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Aporofobia em Sergipe

Artigo escrito pelo doutor em Saúde e Ambiente, Luiz Eduardo

Luiz Eduardo Oliveira [*]

Ouvi esse termo, Aporofobia, criado pela filósofa espanhola Adela Cortina e fiquei a pensar no seu significado, aversão ao pobre. Como todo termo apresentado como “novo” e disponibilizado na mídia,
poderá “pegar”, ou não. Poderá servir para pensar em saúde e direitos, ou não.

Fazendo um “baculejo” na memória, de imediato veio à baila o Caco Antibes, morador do Arouche Towers, personagem do ator Miguel Falabella, que já dizia, em tom sarcástico e piegas, “eu detesto
pobre”. Um estereótipo que ainda persiste nos dias atuais.

Outro personagem que não deixou de se fazer apresentar foi Justo Veríssimo, do mestre do humor, o Chico Anysio, que sempre alegava satiricamente que “quanto mais pobre, mais eu odeio. Quanto mais
pobre, eu quero que se exploda”. Isso lá pelos anos 90, foi um sucesso.

Em pleno 2023, com as devidas atualizações, os personagens, desta vez, em situação real, vivos, por enquanto, estão em profusão. Cada vez temos mais pobres.

O Poder Judiciário, talvez incomodado, entrou em cena, e através de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, número 425, instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional de
Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades (PopRuaJud), com o objetivo de assegurar o amplo acesso à justiça às pessoas em situação de rua, de forma célere e simplificada, a fim de contribuir para superação das barreiras decorrentes das múltiplas vulnerabilidades econômica e social, bem como da sua situação de precariedade e/ou ausência habitacional, entre outras diretrizes.

Ocorre que há uma liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 976, que ordenou a proibição de remoções forçadas de pessoas em situação de rua e, inclusive, de seus bens e pertences pessoais, diante da omissão dos Estados, DF e Municípios em adotarem medidas para implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto Federal nº 7.053/2009, que ainda será submetida à apreciação do plenário da Corte.

Foi concedido o prazo de 120 (cento e vinte) dias para que o governo federal elabore um plano de ação e monitoramento para a implementação da política nacional para população em situação de rua, com a participação do Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, entre outros.

O evento programado pelo Poder Judiciário, intitulado 1 Mutirão de Apoio à População em Situação de Rua, contou com a presença de várias instituições a exemplo de Cartórios, Receita Federal do Brasil, Exército Brasileiro, Justiça Eleitoral, INSS, Defensoria Pública da União e do Estado, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Tribunal de Justiça Estadual, SESI, PGF, Secretaria de Estado da Assistência Social e Cidadania, SENAC, ENERGISA, Comunidade Católica Bom Pastor, Centro POP, além de outros serviços.
Pensando no termo, aporofobia, utilizado durante o evento preparatório, temos que pensar nas causas do aumento da pobreza em Sergipe e se, realmente, existe uma aversão ao pobre e ao pobre que, por inúmeras razões, vive perambulando pelas “ruas de Ará”.

Ao acompanhar o trabalho do Movimento População de Rua, Pastoral do Povo da Rua, observei, de perto, o aumento da população em situação de rua. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA a população em situação de rua, no Brasil, cresceu 38% entre 2019 e 20221. Em dez anos, de acordo com o mesmo instituto, o segmento em análise cresceu 211%2
.
Em Aracaju, o estudo da “Caracterização de Pessoas em Situação de Rua”, disponibilizado à consulta, em site da Prefeitura, realizado entre 2007 e 2008, apontou para diversas situações de vulnerabilidade social, as quais esse segmento da população está sujeita3.

De acordo com o Observatório Social da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Aracaju, são 102.308 pessoas e 37.166 famílias vivendo em situação de pobreza e extrema pobreza, na capital sergipana4, fato esse que conduz à vivência nas ruas.

Não acredito que sejamos, todos, aporofóbicos, e o chamamento ao coletivo, ao social, sempre foi uma atitude realizada por uma boa parte da sociedade, das religiões e das instituições com fins filantrópicos.
Utilizar chavões, termos ofensivos ou ataques genéricos à sociedade, chamando-a de aporobóbica, não contribui para que tenhamos um olhar para o coletivo. Precisamos entender que ao pensar em coletividade, em saúde coletiva principalmente, estaremos a pensar no individual e no núcleo familiar pois não existem fronteiras respiratórias e nem bolhas de proteção eficientes.

Ações, como a proposta pelo CNJ, servem para conectar instituições que pensam em fazer valer os fundamentos da república federativa do Brasil, como a dignidade da pessoa humana e cidadania, previstos no artigo primeiro de nossa, ainda vigente, Constituição. Porém é importante deixar claro que uma ação que deve estar conectada com as diretrizes do executivo, pois fomentar a Política de Atenção Integral à População em Situação de Rua, instituída, por decreto desde 2009, faz parte das atribuições da União e dos entes federativos, conforme depreende-se do artigo segundo do decreto n. 7.053/20095. Ações que são de competência originária do Poder Executivo e que são compartilhadas por outros poderes e instituições.

Em termos de saúde, podem ser detectadas, na população em situação de rua, algumas enfermidades como tuberculose, infecções sexualmente transmissíveis, saúde mental, hipertensão, hanseníase e saúde sexual e reprodutiva, além da considerável participação do álcool e de outras drogas6, que são questões com altos reflexos para a sociedade e que são objetos de análise para a saúde coletiva.

Aporofóbico? Acredito que esta não é uma boa palavra a ser utilizada, no nosso contexto, pois o que precisamos é conectar pessoas, poderes e instituições, que pensem saúde coletiva, direito à saúde, assistência social, etc como uma importante medida preventiva para a diminuição da população em situação de rua.

Precisamos, sim, assumir que a qualidade da infraestrutura é extremamente desigual nos equipamentos sociais disponibilizados à sociedade como um todo e que a saúde deve ser pensada coletivamente, sempre. Ações pontuais são úteis, mas é essencial pensar e agir em saúde, em educação, em segurança pública, em saneamento básico, etc.

[*] Doutor em Saúde e Ambiente

1 Fonte: https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13457-populacao-em situacao-de-rua-supera-281-4-mil-pessoa nobrasil#:~:text=Assim%2C%20para%202020%20e%202021,%C3%A9%20comparativamente%20modes o%2C%20assinalou%20Natalino.
2 Fonte: http://www.sergipenoticias.com/brasil/2023/02/29201/ipea-populacao-em-situacao-de-rua-no-brasil-supera-281-mil.html
3 Fonte: https://www.aracaju.se.gov.br/userfiles/pdf/2019/Seplog/concurso-inovacao-gestao/Projeto-Estudo-populacao-de-rua.pdf
4 https://www.jornaldacidade.net/cidades/2019/05/308607/aracaju-pobreza-atinge-102-mil-pessoas.html
5 Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm

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