Por Marcolino Joe [*]
No Dia do Trabalho de 2025, o presidente Lula apareceu em rede nacional. Anunciou o fim da escala 6×1, aquela jornada maluca de seis dias trabalhados para um de descanso. Falou em saúde mental, dignidade e reconexão com a vida. Uma pauta relevante, necessária. Mas quem tava prestando atenção?
Naquele mesmo dia, o que dominava o feed era: Lady Gaga no Brasil, um bebê reborn com CPF, e um deputado surtando com a camisa da Seleção que nem existe. O discurso presidencial passou despercebido, como se fosse um frame borrado numa rolagem infinita. A principal notícia sobre trabalho dos últimos anos morreu soterrada sob uma avalanche de tretas, memes e desinformação. E isso diz muito mais sobre o estado atual da comunicação política do que sobre o Lula em si.
A comunicação do governo federal vem sendo criticada desde o início do mandato. E com razão. O próprio Lula reconheceu publicamente que há falhas na estratégia de comunicação. Disse que não tem feito coletivas como deveria, que está falando pouco diretamente com o povo. E de fato: ações importante, como o reajuste do salário mínimo, o aumento do emprego formal, ou políticas de habitação e crédito, mal reverberam. Quase não ecoam no cotidiano digital do brasileiro.
Mas o problema vai além de não saber “vender” uma boa ideia. A questão é que o ambiente em que essa ideia circula já foi contaminado. A antipolítica, que cresce desde 2013, pavimentou um terreno onde qualquer tentativa de debate minimamente sério soa fake, desinteressante ou “propaganda do sistema”.
As Jornadas de Junho de 2013 foram o grande divisor de águas. Nas ruas, uma indignação legítima com o transporte, a saúde, os serviços públicos. Mas ali nasceu também um sentimento difuso contra “tudo isso que tá aí”. Os gritos contra os partidos, os cartazes dizendo “sem bandeiras” e os discursos antipolíticos se espalharam.
A mídia tradicional ajudou a amplificar esse sentimento. Programas jornalísticos centrados na corrupção, matérias que transformavam a política em novela policial, cobertura que só reforçava a ideia de que “nada presta”. Era o script perfeito para a antipolítica se consolidar: os políticos viraram vilões genéricos e o “cidadão de bem” passou a se identificar com quem prometia destruir o sistema.
Não à toa, Bolsonaro se elegeu como o grande herdeiro desse projeto. Mas ele não está sozinho. Muitos políticos, até mesmo de esquerda, passaram a agir como “não políticos”, com medo de parecer institucional demais.
Se o antipetismo e a antipolítica ajudaram a enfraquecer o conteúdo político, as redes sociais cuidaram da forma. O debate público foi sequestrado por algoritmos que privilegiam a raiva, o escândalo e o tribalismo. O que aparece pra você não é o mais importante, é o mais viciante.
O professor Eugênio Bucci resume bem: as redes sociais não são uma praça pública, são um shopping center emocional. Elas querem que você sinta algo intenso: medo, ódio, inveja, desejo. Isso engaja. Isso mantém o dedo no scroll. Isso dá lucro.
Resultado? Notícias complexas não têm chance. Propostas estruturais como a jornada de quatro dias por semana são ignoradas em nome de uma nova briga inútil. Um deputado surtando com a camisa da Seleção gera mais cliques do que um presidente anunciando uma mudança na CLT.
A PEC 8/25, protocolada por Erika Hilton, propõe a jornada semanal de quatro dias. O movimento Vida Além do Trabalho já vem empurrando essa pauta há meses. Fábio Sobral, economista da UFC, afirma que a mudança pode aumentar a produtividade e até impulsionar a economia. Mas o feed não quer ouvir isso. O feed quer treta.
Enquanto o TikTok transforma tudo em dancinha ou destruição, e o Instagram insiste em vender soluções mágicas, o governo tenta comunicar políticas reais com formatos que ninguém mais consome. A crise não é só de mensagem, é de meio.
Quem trabalha com política hoje precisa entender: conjuntura não se lê só em jornal, mas nos ruídos. Não adianta falar certo no lugar errado. O discurso de Lula era necessário, mas chegou como notificação silenciada. Porque o espaço público, como ideal iluminista, tá em ruínas.
E, mesmo assim, ainda é possível reconstruir. Ainda há espaço pra quem consegue transformar pauta nacional em valor local. Pra quem entende que saúde mental, tempo livre e convivência familiar não são pautas “de esquerda” ou “de direita”. São pautas humanas.
A pergunta que abre esse texto não é só provocação. É um diagnóstico. Mas também pode ser ponto de partida. Como é que a gente pensa política com um feed desses? Com mais coragem de ir contra o algoritmo. Com mais capacidade de escutar o que não está sendo dito. E com mais presença onde ninguém quer estar. Porque em tempos de ruído, quem tem clareza não precisa gritar. Só precisa manter o farol aceso.
[*] É cineasta, estrategista e comunicador