.Por Luiz Eduardo Oliveira [*]
Olhar o céu e vê-lo com aproximadamente “cinquenta tons de cinza” é sinal que “lá vem chuva”. Em Aracaju é coisa rara, porém presumida, mas que causa transtornos, perdas materiais e mortes.
Recordo-me dos tempos chuvosos, na infância e na adolescência, quase sempre entre fins de maio e início de julho, quando ainda morava na Rua Laranjeiras, esquina com a rua Siriri.
A espera por chuva, para amenizar o calor, era algo desejado, mas que só fui compreender, anos depois, os seus efeitos psicológicos, poia unia e revelava vulnerabilidades.
Durante o período chuvoso, invariavelmente gripávamos e quase toda a família ficava em casa, sobre a proteção dos pais, já cansados do dia de trabalho. No nosso caso, o trabalho durava até uma parte da noite, em preparação para o dia seguinte, de domingo a domingo, com direito ao descanso no domingo à tarde. Não raras vezes flagrei meus pais dormindo frente à televisão que ninguém ousava desligar, enquanto ficávamos debaixo das cobertas para evitar as “gotas” que vinham das goteiras.
Para enfrentar as consequências das chuvas, utilizávamos os tratamentos realizados à base de chás, de limão com mel, mel com agrião, alho com limão que eram disponibilizados a todos, independentemente de gostar ou não.
Lá se vão tantos anos e, talvez por causa das chuvas recentes, o sentimento de melancolia tenha vindo à tona.
Pois bem, o período de chuvas era interessante pois morávamos em uma casa muito engraçada, com teto de telha, porém com muitos buracos, por onde a água passava insistentemente. As pingueiras podiam ser encontradas em todos os compartimentos da casa, pois o telhado só tinha manutenção quando ela, a chuva, chegava, e aí, tinha que esperar passar para realizar os reparos. As corridas para pegar os baldes e as panelas para coloca-los no local exato das quedas d´águas consistiam em verdadeiros mistos de pânico, humor e tormentos. Não tínhamos como buscar ajuda na defesa civil, nunca ouvi falar disso, naqueles tempos… Passávamos um bom tempo olhando, sem poder fazer coisa alguma, e tentando passar o pano, “enxugando gelo”.
A combinação de energia e chuva ocasionava “apagões” constantes, sendo comum ouvir os gritos de “vai pegar a vela”, “onde colocou o fósforo?”
Mas criança “raiz”, como fomos, penso que a grande maioria de nós, que sobrevivemos para contar história, não ficava sentada em frente ao um aparelho que “fala”, vendo a chuva molhar. Esperávamos, amedrontados, a passagem dos relâmpagos e dos trovões, para entrarmos em ação. Esses dois fenômenos naturais eram considerados sagrados e enquanto não estrondavam ou não desenhavam o céu, sabíamos onde encontrar diversão.
A expressão, utilizada desde aquela época, “criança tem cada uma”, hoje tornou-se um aforismo. Consistia nossa rotina de “criança na chuva”, transformar bicas em cascatas, córregos em rios por onde competiam barcos de papel ou mesmo folhas de árvores. Brincar na chuva, de bola, de pega-pega, quantas lembranças, mas dias depois, quando “parava a chuva” apareciam as doenças e as “perebas”. Sangue fraco, precisa tomar “ferro”, diziam os mais velhos. E assim chegamos à idade adulta, com sequelas, mas fortalecidos.
Os dias de chuva eram associados ao frio e às “doenças do ar” e minha mãe, para se proteger, retirava, do fundo do baú, aquele xale, com o qual passava todo o inverno, dia e noite, sem lavar. Um xale rosa e outro azul se reservavam durante os períodos de chuva. Bastava um pingo para que eles fossem retirados não sei de onde, nunca descobrir onde eram “entocados”. Posso vê-la, sentada no mesmo lado do sofá que, não sei por qual razão, tinha o formato dela ou ela já sentava no molde, abraçando e sendo abraçada por um daqueles xales. Consigo ver os detalhes da forma, com franjas que “davam o acabamento”. Foram feitos por uma tia.
Às 17:00 horas o dia se transformava em noite e sem poder sair de casa, muitas vezes com medo, a noite já nos ordenava um sono mais cedo. Antes de dormir era quase uma imposição tomar sopa, com limão, para “matar” a gripe, com um pão Jacó.
Durante os dias de chuva, em minha memória vem, aos poucos, um sinal de carinho de meu pai que, invariavelmente, foi um homem bruto. Em um desses dias que adoeci, até hoje lembro de suas expressões próximo a mim, estava deitado em um sofá, de couro vermelho, como um pano ou uma colcha por cima para “não grudar”, encostado na parede, eu suando e delirando e vi meu pai “tirando” minha temperatura, com um toque de mão, no sovaco. Talvez um dos poucos gestos de carinho que ficou registrado.
Os dias de chuva sempre acabam e que bom, pois o sol nos espera.
[*] Doutor em Saúde e Ambiente