Por Antonio Carlos Valadares [*]
A cada eleição a vontade de ser político não é a mesma de outros tempos. Quem é convidado para entrar nesse ramo complexo, quase sempre balança a cabeça pra direita e pra esquerda mostrando no gesto total rejeição. A ideia, que muitos propagam, é que a política não é coisa de gente séria, exigindo perda de tempo e dinheiro, além de ser uma carreira as mais das vezes suspeita, mesmo que o detentor do mandato tenha um passado de integridade. A priori, considero injusta essa imprecação generalizada de certos eleitores que se escondem na omissão, anulam o voto, votam em branco, não comparecem às urnas, preferindo ir à praia, e, no entanto, são os primeiros a se queixarem quando surgem ações no horizonte em seu desfavor.
Sempre achei a política uma arte nobre, um instrumento indispensável ao bem-estar da sociedade. Ainda não mudei o meu pensamento a esse respeito, apesar das surpresas e decepções naturais de quem está fora do poder.
Mas tenho que reconhecer que a política, nos tempos atuais, se encontra arraigada na mente de muitas pessoas como uma ocupação na qual se perde a autonomia ou até mesmo a moral, na busca desenfreada de um naco de poder. A lealdade ao partido, ao líder e aos aliados, virou uma peça de decoração na caminhada de cada um, dependendo do momento e da conveniência. Além do mais, quem estiver disposto a concorrer, e não contar com a chamada “estrutura”, representada por recursos financeiros, econômicos e políticos, é melhor ir logo pensando em desistir do intento. Assim pensa com certa razão a maioria das pessoas, sejam homens ou mulheres.
Nesses tempos difíceis, onde os extremos comandam o terreno da política, sem qualquer espaço para o surgimento de forças genuinamente renovadoras, crescem o desestímulo à boa prática da política e a desconfiança nas lideranças. A situação se agrava pela atitude do Congresso Nacional na tentativa de amordaçar o Executivo com as chamadas emendas parlamentares impositivas de valores nunca vistos, desde a edição da Carta Magna de 1988, ou melhor dizendo, desde que a peça orçamentária anual, com a proclamação de República, apresentou-se como alternativa indispensável para o equilíbrio fiscal. Naquela época (CF, 1891), o Parlamento era o responsável pela elaboração e aprovação do orçamento. Na CF de 1988, vigente, a iniciativa da elaboração é do Executivo e a sua aprovação é atribuição do Legislativo, podendo ser emendado, porém, não ao ponto de desfigurar os planos administrativos do presidente que foram objeto de compromisso durante os debates de campanha.
O orçamento no Brasil, que já foi considerado uma peça de ficção, com o tempo, foi consolidando no âmbito do governo as suas regras de obrigatoriedade na execução das verbas ali previstas. Mas, a partir de 2015, com a criação pelo Congresso Nacional das emendas individuais, que depois viraram impositivas, o orçamento federal ano a ano foi sendo fatiado em detrimento dos programas do Executivo.
Um pouco mais adiante vieram as emendas de bancada e de comissões concretizadas como impositivas, gerando ao todo uma despesa anual de mais de R$ 50 bilhões, com pouca transparência e nenhum planejamento. Elas são despejadas pelos parlamentares em seus redutos eleitorais, dando-lhes uma ajuda considerável à renovação de seus próprios mandatos.
Somado a esse arsenal de apoio em seu favor, os parlamentares se preocuparam ainda em aumentar o valor do fundo de financiamento público das campanhas eleitorais, de um valor de R$ 800 milhões para R$ 5 bilhões, garantindo um poder nunca visto aos dirigentes partidários na distribuição de recursos dali advindos. O fundo eleitoral, que vem do bolso do contribuinte, e fora criado com a intenção reduzir a desigualdade na disputa, virou um feudo de privilégios e poder, notadamente para os dirigentes partidários, os quais, como é sabido, por pressão das bancadas, direcionam a maior fatia do dinheiro em caixa durante as campanhas para quem já tem mandato, gerando mais um fator de desigualdade que não passa despercebido por aqueles que tentam uma eleição pela primeira vez.
O Brasil é um país diferente. A isenção do IRPF para quem ganha até R$ 5 mil vai custar R$ 26 bi ao Tesouro, beneficiando 63% da população. Todavia, o custo das emendas parlamentares é de R$ 50 bi. Alguém calculou o percentual da população que se beneficia com o dinheiro carreado para o Congresso?
Esse arcabouço eleitoral adotado no Brasil envolvendo dinheiro público não tem paralelo em todo o mundo democrático. Aqui, com o legislativo agindo dessa forma, usando o seu poder para colocar uma apertada camisa de força num presidente legitimamente eleito – que é obrigado a aceitar a pressão porque não tem maioria no Congresso -, prevejo que mais à frente, quando os escândalos pipocarem, pode ser que o caldo entorne, e as consequências sejam imprevisíveis.
No regime presidencialista brasileiro, como prevê a Constituição, existem os institutos de consulta popular, o referendo e o plebiscito. Todavia, na conjuntura política e institucional que atravessamos, o presidente não tem votos no Congresso para fazer uma consulta à população sobre se aprova ou não o valor exorbitante das emendas, o que seria ideal do ponto de vista da faculdade de o governo vir a executar o orçamento, como é do seu direito.
E para adicionar outro empecilho a quem deseja fazer política, eis que, como é público e notório, durante as eleições passadas de vereador houve estórias arrepiantes, que talvez os candidatos prefiram ocultar, sobre exigências absurdas por parte dos eleitores nas abordagens do pedido de voto. Ouve-se falar de candidatos que colocaram em risco o futuro de seus filhos, ao venderem seus bens, gastando tudo que amealharam ao longo dos anos atrás de um mandato, e, o pior, perderam as eleições. É a busca do voto a qualquer preço com consequências funestas.
Quem tem mais e quem aprendeu como comprar, e conhece a hora e o lugar onde fazê-lo, leva vantagem. Um procedimento que fica em silêncio para todo o sempre, apesar do empenho dos órgãos de controle em descobrir a fraude, que só é apurada em casos de denúncia consistente ou de flagrante.
É uma pena que, diante de tantos malefícios criados pelo nosso defeituoso sistema eleitoral, quase sempre acompanhamos com surpresa o olhar distante e indiferente dos eleitores, até os das classes mais evoluídas, que colocam os políticos num mesmo nível de conduta.
Por fim, diante desse quadro desfavorável à pretensão de candidatos sem estrutura política e financeira, ainda é possível lutar pelo aperfeiçoamento do sistema eleitoral em nossa democracia, disputando um mandato eletivo, quando são raros os que vencem em tais condições? Como mudar o mapa dos eleitos?
Vale a pena?
[*] ex-governador de Sergipe e ex-senador da República