Lady Gaga em Copacabana e a urgência dos direitos LGBTQIAPN+ no Brasil

Artigo escrito pelo advogado Henrique Andrade

Por Henrique Andrade [*]

No último dia 3 de maio, mais de dois milhões de pessoas ocuparam a orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, para assistir ao aguardado show de Lady Gaga — artista reconhecida mundialmente por sua excelência vocal, estilo transgressor e, especialmente, por seu ativismo em defesa dos direitos humanos, com notório destaque para a promoção da dignidade da população LGBTQIAPN+.

O evento, amplamente coberto por veículos de imprensa internacionais, não apenas mobilizou fãs de diversos países, mas também transformou o espaço urbano em um palco político e simbólico. A estrutura foi (re)pensada para receber uma das maiores artistas do século, e a sua chegada foi, de fato, um marco. O Brasil parou. O mundo observou.

Durante a apresentação, Gaga emitiu mensagens claras de apoio à comunidade LGBTQIAPN+, fazendo acenos explícitos à luta contra as múltiplas violências que esse grupo enfrenta. Embora constantemente tratada como “minoria”, essa população revela, na prática, significativa expressão social, política e econômica: apenas o evento de Copacabana, com patrocínio majoritário do setor privado (aproximadamente 90%), movimentou cifras superiores a R$ 600 milhões.

Tal fato revela um paradoxo estrutural. Um espetáculo voltado a essa comunidade ocorre em um país que, simultaneamente, registra graves violações de direitos humanos contra as pessoas LGBTQIAPN+. Os números recentes indicam um aumento nas denúncias de violência, assassinatos e discriminação — dados que evidenciam a omissão do Estado e o retrocesso de políticas públicas voltadas à proteção de direitos fundamentais.

O contraste entre o reconhecimento da potência dessa comunidade pelo mercado e sua invisibilidade institucional nos espaços legislativos e executivos é gritante. Ainda que a cultura e o entretenimento se mostrem abertos à diversidade, o ordenamento jurídico brasileiro ainda caminha lentamente na construção de um arcabouço normativo que promova, com efetividade, igualdade material e proteção integral a essa parcela da população.

O evento do dia 3 expõe, portanto, uma urgência: a multidão que lotou Copacabana precisa ser ouvida além das redes sociais. É imprescindível que o Congresso Nacional assuma sua função precípua de legislar, destravando pautas que garantam cidadania plena, segurança e dignidade às pessoas LGBTQIAPN+. Assim, poder-se-ia evitar o ativismo judicial como única via para a promoção de direitos, frequentemente acionado pela inércia do Legislativo.

A Constituição Federal de 1988 assegura a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Mas, enquanto parte considerável da população for relegada à condição de “cidadania condicional”, o pacto constitucional segue incompleto — e a democracia, parcial.

[*] Advogado e professor de direito

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