Por Camila Farias, da Mangue Jornalismo – @camila_gabrielle
Os números são oficiais e foram apresentados pelo secretário municipal de Educação de Aracaju, Ricardo Abreu. Até o mês passado, na capital “faltavam 1.782 vagas para a creche, o que compreende crianças de 0 a 3 anos de idade. Para a pré-escola (4-5 anos), em que há obrigação legal do município de matricular, há 548 crianças na lista de espera, mais 362 crianças do ensino fundamental em anos iniciais (1° ao 5° ano) e outras 143 do ensino fundamental nos anos finais”. Isso dá um total de 2.835 crianças, sendo 2.330 longe da educação infantil. O secretário expôs os dados numa audiência na Câmara de Vereadores.
Uma professora de educação infantil, que não quis se identificar, afirma que esse número oficial de crianças não atendidas pela Prefeitura de Aracaju é bem maior, “já que muitas pessoas quando procuram uma vaga na creche e recebem uma negativa, acabam deixando a criança com algum familiar. Ou seja, essa criança não entra em uma lista oficial de espera ou no cadastro, por isso, não são quantificadas”.
O secretário da Educação de Aracaju informou que os locais com maior demanda por vagas na educação infantil são os bairros Santa Maria (685), Olaria (267) e Soledade (167), os quais contam com elevada vulnerabilidade social na capital. Segundo a Mapografia Social do Município de Aracaju, de 2019, esses bairros apresentaram elevados percentuais de pessoas com baixo ou nenhum rendimento.
Os dados reforçam o estudo intitulado de “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola”, que em 2022 revelou, por exemplo, que Sergipe tinha 2.299 crianças entre 4 e 5 anos fora da escola, também nesse caso, o racismo se apresenta: a maioria delas é negra, em média 25% a mais que crianças brancas fora da escola. Voltando à capital, vale ressaltar que até março de 2024, mais de 500 crianças dessa idade estavam fora da escola, mesmo com a obrigação legal do município em fazer a matrícula.
A educação infantil é uma das etapas mais significativas do desenvolvimento humano, pois é nesse período de vida que se produz habilidades sociais, emocionais e cognitivas para a constituição do desenvolvimento integral da identidade.
Realidade longe da publicidade da prefeitura
Na ocupação Marivan Sul, na entrada no bairro Santa Maria, é possível encontrar diversas histórias de mulheres que não conseguiram vagas para os seus filhos nas escolas infantis da Prefeitura de Aracaju. Além disso, muitas famílias ali sob permanente ordem de despejo e até hoje esperam um auxílio moradia.
Maria Juliana dos Santos tem uma filha de 3 anos, Laura Valentina. Segundo a mãe, sua tentativa de buscar uma vaga na creche no Bairro 17 de Março foi frustrada pela falta de vaga. “Recebi a informação de que as vagas tinham se esgotado ou não tinha mais para a idade dela”. Maria Juliana trabalha no semáforo realizando a venda de água e precisa deixar a filha com alguém da família ou levar a criança ao local.
Ana Paula Santos também tem uma filha e a menina, Lavínia, tem 2 anos, que também não conseguiu vaga na creche. “Eu tentei pelo site, inclusive, e não tive resposta”. Carla Andrea de Jesus, que tem um filho de 2 anos disse que não conseguiu vaga na creche e tentou pelo aplicativo, assim como no Conselho Tutelar. Algumas explicaram que não conseguem ir ao trabalho, pois não têm com quem deixar os filhos.
Valdicleia da Silva, que tem uma filha de 3 anos sem ir para a creche e uma filha de 5 anos que nunca foi para a escola. “Fui ao conselho tutelar e a informação recebida é que estão na fila de espera. Minha filha de 5 anos fica me perguntando quando ela vai para a escola”, disse.
A professora que não quis se identificar aponta que “como professora da escola pública, eu vejo que muitas mães querem deixar seus filhos na creche, pois lá tem um cuidado no sentido da higiene e da alimentação. Muitas mães, inclusive, precisam desse lanche que é dado nas escolas, mas muitas vezes elas não conseguem. Infelizmente, muitas pessoas só conseguem vaga com apoio de algum político”.
Ela também ressaltou que “a precariedade é tanta, que por exemplo, uma creche aqui no Augusto Franco, uma vez disse que só pegava crianças que andassem, mas isso não faz sentido, já que, se a creche é de 0 a 3 anos, não faz sentido haver essa exigência”.
Outros dados e a legislação
“Os dados (da Prefeitura) são extremamente preocupantes e implicam em uma análise da legislação e das políticas públicas implantadas no Brasil para a garantia de direitos das crianças de 0 a 6 anos e em especial das políticas educacionais implementadas no Estado”, analisou Ana Maria Lourenço de Azevedo, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Ela lembra que a Constituição Brasileira de 1988 evidencia os princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. “O Estado tem deveres, entre eles, o de garantir uma educação básica obrigatória e gratuita”, completa a professora.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) diz que a educação Infantil deve ser oferecida em creches e pré-escolas, sendo sua oferta de responsabilidade dos municípios. “Sergipe, como menor estado da nação, apresenta dados grandiosos, alarmantes, em relação a garantia desses direitos em comparação com as médias nacionais”, revela Ana Maria.
A educação infantil vai de 0 a 5 anos, sendo de 0 a 3 anos destinado para as crianças na creche e de 4 e 5 anos, na pré-escola. A LDB determina que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica, sendo obrigação dos municípios, com apoio dos Estados e do Governo Federal.
A educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. A lei determina que educação infantil será oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; pré-escolas, para as crianças de 4 a 5 anos de idade.
Entretanto, mesmo com a legislação fazendo essa determinação, diversas crianças ainda estão fora da escola por falta de vagas. E a falta de vagas também se estende para Sergipe. A professora Ana Maria explica que, de acordo com resultados do resumo técnico do estado do Censo escolar da educação básica, em 2021 foram registradas 529.689 matrículas de educação básica, 18.244 a menos em comparação com o ano de 2017, o que corresponde a uma redução de 3,3% no total de matrículas. Somente na educação infantil, o número de matrículas na educação infantil caiu 6,9% de 2017 a 2021, atingindo 75.743 matrículas em 2021.
“Em 2021, 1.412 escolas ofertavam educação infantil no estado de Sergipe, sendo que 1.349 (95,5%) ofertavam pré?escola e 920 (65,2%) ofertavam creche. Observa-se, ao longo dos últimos cinco anos, que o número de escolas que oferecem pré?escola caiu 6,5%, enquanto o número de escolas que oferecem creche aumentou 22,8%. O cenário da estatística apresentada demonstra o imenso desafio que o Estado precisa enfrentar”, reforçou a professora Ana Maria.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é dever constitucional do Estado assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de até 5 anos de idade, sem a necessidade de regulamentação pelo Congresso Nacional.
O Plano Nacional de Educação (PNE) determina a universalização até 2016 da educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade, além da ampliação da oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE.
A professora Ana Maria aponta que a oferta da educação Infantil brasileira historicamente esteve vinculada à perspectiva de uma assistência social realizada pelo poder público, entidades filantrópicas, confessionais e comunitárias, com foco na saúde das crianças, na perspectiva de amparar as crianças mais vulneráveis.
“O Documento Base para a construção do Plano Municipal de Educação de Aracaju (2015-2025) diz que para o atendimento municipal na modalidade de Pré-Escola, é possível destacar uma grande dispersão das escolas municipais através dos bairros de rendas intermediárias e baixas. Para os bairros mais pobres, no entanto, onde se esperaria ver uma concentração de escolas que atendesse quase a totalidade da demanda, este atendimento gira por volta de 60% nos bairros destacados. Evidentemente que os bairros mais vulneráveis ainda não contemplam um atendimento que acolha as necessidades e expectativas das comunidades em relação não só a educação como também as condições de vida com bem estar social”, destaca a professora.
O professor Valtênio Oliveira, também do Departamento de Educação da UFS, explicou que há um descompromisso da gestão pública com a sua obrigação de ensino. “O setor público está ausente onde sua presença deveria ser forte. A lei de diretrizes e bases do Ensino impõe ao município tal obrigação. Mas, falta vontade administrativa do gestor”, destaca.
Ana Maria explicou que é fundamental consolidar políticas públicas e cumprir a legislação. “Com o modelo de sociedade capitalista pautado em princípios neoliberais as questões do acesso e da permanência da criança na escola com qualidade se distancia em especial, grande parte da população mais vulnerável e tem estado marginalizada historicamente. As crianças que não conseguem vagas nas escolas de educação infantil, em creches especificamente, têm nome, raça/etnia e condição social. Como membro do Fórum de Educação Infantil de Sergipe/MIEIB temos lutado pela defesa da educação infantil pública e essa luta demanda parcerias, vontade política e investimentos para a implementação de políticas públicas que visem à expansão e à melhoria da qualidade do atendimento em educação infantil das crianças de 0 até 6 anos de idade, enquanto direito e princípio constitucional”, explica.
Prefeitura de Aracaju não atende
O site Mangue Jornalismo questionou a Secretaria Municipal de Educação sobre o número atualizado de crianças fora da escola e se havia previsão de vaga. Porém, não houve retorno.
No dia 18 de março de 2024, o site da Prefeitura de Aracaju publicou informações sobre a reforma e ampliação das escolas Áurea Melo Zamor e Júlio Prado Vasconcelos (São Conrado), Maria Givalda Santos (Soledade), Neuzice Barreto (Getúlio Vargas), Comunidade Mangabeiras (17 de Março), Nunes Mendonça (Atalaia). Há, ainda, a construção da nova sede da escola Monsenhor João Moreira Lima (Lamarão).
Ainda estariam em reforma as escolas José Antônio da Costa Melo (Getúlio Vargas), Florentino Menezes (Areia Branca), 17 de Março (17 de Março), José Conrado de Araújo (São Conrado), Alcebíades Melo Vilas-Boas (Bairro Industrial) e Olga Benário (Santos Dumont). Segundo a informação, isso irá proporcionar mais de 4 mil novas vagas ofertadas, sendo 2.153 em educação infantil e mais 2.100 em ensino fundamental na rede pública municipal.
Foto de capa: Marcos Pastich/Agência Câmara de Notícias