Por Marcolino Joe [*]
Vi uma discussão num grupo de política no zap – um osso do meu ofício. O tom era o de sempre: o país tá uma desgraça; Lula não se reelege; já era. A conversa parecia tão taxativa que me fez lembrar de Fukuyama e sua famosa (e equivocada) tese do fim da história.
O argumento dele era simples: com o colapso da União Soviética, a democracia liberal e o capitalismo teriam vencido de vez e não haveria mais grandes disputas ideológicas. O futuro seria uma gestão contínua da ordem vigente, sem grandes crises ou reviravoltas. Só que, como já sabemos, o capitalismo nunca foi um sistema de estabilidade eterna. Ele se equilibra entre ciclos de crescimento e crise e, quando entra na fase de colapso, não aceita derrotas calado – reage flertando com o fascismo e nos vendendo nostalgia.
O cenário de hoje é um déjà vu. A economia mundial patina, os sistemas políticos estão desgastados e, enquanto isso, o mercado cultural nos entope de remake da Disney, Funko Pop e The Office como se fossem sedativos pra angústia coletiva. Tudo para nos distrair do fato de que os pilares do capitalismo contemporâneo estão rangendo. E como o capitalismo não sabe perder, quando o aperto fica grande demais ele busca soluções autoritárias para se manter no poder.
Agora, voltando ao Brasil: a economia real não está em colapso. O desemprego caiu, o consumo está relativamente aquecido, há crescimento em setores importantes. Mas a sensação geral é de crise. Por quê?
Porque sensação e realidade são duas coisas diferentes. E quando se trata de política, a comunicação pesa tanto quanto os números. Jean Baudrillard já falava sobre isso: vivemos numa era onde a realidade é mediada por signos e narrativas e, às vezes, a percepção de um problema importa mais do que o problema em si. Se a população sente que as coisas estão ruins, isso tem um efeito real na política, mesmo que os indicadores mostrem algo mais complexo.
O governo tem problemas objetivos: o real derreteu, a base política está instável, a comunicação é, no mínimo, capenga. A oposição, por outro lado, não tem um candidato forte, mas tem uma máquina de desgaste operando 24/7. A eleição de 2026 não está definida, mas o ambiente hoje favorece um cenário de incerteza.
E aí vem a pergunta final: estamos analisando a realidade ou projetando nossos desejos nela? Dizer que Lula já perdeu agora é uma aposta disfarçada de análise. Pode acontecer? Pode. Mas cravar isso hoje é mais desejo do que leitura estratégica. O jogo está em aberto.
[*] é cineasta, estrategista político e comunicador