Por Wagner Nóbrega [*]
Apresentado ao Congresso Nacional pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, o Projeto de Plano Plurianual (PPPA) trouxe como metas a melhora dos indicadores sociais a serem perseguidas através dos mais diversos programas de governo executados posteriormente, através do Orçamento Anual.
Pensadas para manifestarem as diretrizes e objetivos – também componentes definidores do Plano Plurianual (PPA) – as metas dão concretude ao planejamento para o qual o PPA foi criado na Constituição de 1988, ao distribuir os programas em ações anuais através do orçamento anual.
Como proposta de quem tem a responsabilidade constitucional de elaborar e submeter ao Legislativo, até se transformar em lei (PPA), o PPPA pode sofrer alterações (emendas), na forma como salutarmente para a Democracia, assim está previsto na Constituição.
Também é verdade que, enquanto democracia incompleta em relação a todo o potencial previsto na Constituição, o sistema de planejamento e orçamento para o qual o PPA foi previsto junto com a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), servindo de base para essas duas últimas, ainda é como se o rabo corresse atrás do cachorro, visto que a lei que definirá os critérios e a forma básica do PPA está parada a mais de dez anos na Câmara, depois de ter sido aprovada no Senado e, enquanto isso, a LOA pode modificar o PPA, para o arrepio dos constituintes originais.
Apesar de todas essas incoerências de nossa jovem democracia, é a primeira vez que melhoras de indicadores sociais são apresentadas como metas do PPPA.
Os 69 indicadores das metas estão na forma de intervalos de mínimo e máximo (ideal) das metas. Sete deles são chamados “chave”, quais sejam:
1) Redução de 20,3% a 54,7% da taxa de extrema pobreza;
2) Redução de 0,83% a 12,2% da razão entre as rendas dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres;
3) Aumento de 4,3% a 15,6% do produto interno bruto (PIB) per capita;
4) Para a taxa de desemprego, a meta é de queda de 28,3%, com bom desempenho econômico e alta de 16% em caso de recessão;
5) Queda de 16,3% a 22,1% na emissão de gases de efeito estufa no Brasil;
6) Redução de 75% a 80% no desmatamento anual no bioma Amazônia;
7) Aumento do rendimento domiciliar per capita nas grandes regiões (entre 4,3% e 29,7% na Região Norte; de 12,8% a 34,4% no Nordeste; entre 1,7% e 17,2% no Sudeste; de 3,4% a 16,8% no Sul; e entre 3,6% e 19,3% no Centro-Oeste).
Além dessas metas que usam indicadores-chave, outras têm indicadores usados pela primeira vez no âmbito nacional, como a alfabetização na idade certa. Outras têm indicadores usados pela primeira vez, como a evolução da igualdade racial, que será monitorada pela taxa de homicídios de negros, da razão entre o rendimento médio do trabalho de brancos e de negros e da razão entre a frequência de brancos e de negros, de 18 a 24 anos, no ensino superior.
Quando eu digo “primeira vez” estou me referindo aos indicadores sociais enquanto finalidade última e principal e não enquanto resultado intermediário, para alcançar um objetivo geral de política de governo, como foram as metas com que os diversos programas de governo deveriam acabar com a miséria no governo Dilma, ou com a fome, nos governos Lula, ou promover o desenvolvimento econômico a partir de lugares chamados de polos econômicos, no primeiro PPA, que foi do governo Fernando Henrique Cardoso.
Isso inaugura uma nova forma de gestão pública, pois, enquanto as metas definidas nos governos anteriores caracterizam uma priorização das políticas de governo sobre as de Estado, as do atual PPPA podem ser perseguidas por qualquer governo posterior.
Se interpretarmos o aspecto garantista do social da Constituição como primazia dela, entendemos que o PPPA que acabou de ser apresentado inverte a prática gestora e a ajusta aos princípios constitucionais, deslocando o foco orçamentário das políticas de governo para o foco das políticas de Estado, às quais as primeiras deveriam estar submetidas e, de fato, obrigam parcela significativa dos programas e dos recursos de governo.
Estamos, portanto, diante de uma mudança de paradigma na gestão pública. Aquilo que este limitado escritor se arvora chamar novíssima gestão pública, já que a nova tem um perfil voltado ainda a resultados, quando as metas definem impacto. A diferença da meta com relação ao resultado, pode-se dizer, é que aquela diz quanto dos problemas sociais se quer resolver, de forma duradoura, ou permanente.
Essa discussão vem evoluindo e sendo enriquecida na academia, desde, pelo menos, quando Mancur Olson escreveu, no seu capítulo de livro intitulado “Evaluating Performance in the Public Sector”, de 1973, que os indicadores apropriados para representar a produtividade do serviço estritamente público seriam os indicadores sociais. Combinou-se com isso a discussão teórica provocada pela crítica à forma como o orçamento público era ensimesmado, feita por Osbome e Gaebler no livro Reinventando o Governo, de 1992. Osborne e Hutchinson, no livro “The price of govemment”, de 2004, por sua vez sugeriram que a sociedade deve dizer e controlar os resultados que querem para o dinheiro que aplicam no serviço público.
Essa discussão, transformou-se em movimentos teóricos e políticos tais como a nova gestão pública, cujo expoente aqui no Brasil foi Bresser Pereira, ao colocar em prática seus escritos e experiência enquanto ministro de Fernando Henrique Cardoso. Mais recentemente a discussão se volta para os traços de sua origem em Olson, por exemplo, no chamado Novo Orçamento de Desempenho, discutido no livro Finanças Públicas, de James Giacomoni.
Assim como o New Deal e a Great Society combinaram decisões políticas e ciência, promovendo o desenvolvimento mútuo das duas, o PPPA objeto desse artigo prevê um observatório de acompanhamento do PPA e a discussão do mesmo a cada quatro meses, envolvendo, inclusive a academia. Espero, com isso, que o ponta pé dado com ele se desenrole rumo a um gol que colocará nossa democracia em um patamar de destaque.
Só a história dirá se isso acontecerá.
De qualquer forma, o PPPA do atual governo já é um marco na história de nossa democracia, divisor de águas na forma de administrar a coisa pública.
[*] Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe, na área de
planejamento, orçamento e finanças públicas.