O que ninguém quer dizer sobre Janja

Artigo escrito cineasta e estrategista político, Marcolino Joe
Imagem: Divulgação

Por Marcolino Joe [*]

Os ataques à primeira-dama Janja Lula da Silva têm se tornado frequentes, ruidosos e, em muitos casos, evidentemente machistas. Mas fingir que toda crítica a ela se resume ao machismo ou, no outro extremo, dizer que toda sua atuação é um erro é não querer entender o que de fato está em jogo. Janja não é uma figura decorativa. Desde o início do governo Lula, ela tem assumido uma posição pública ativa: acompanha o presidente em eventos, fala com a imprensa, posta com frequência, participa de projetos culturais e sociais, interfere na pauta simbólica do governo. Em termos contemporâneos, ela é uma primeira-dama de presença. E isso, no Brasil, incomoda.

Não é coincidência que o termo “intrometida” apareça com frequência quando o nome dela é citado. A lógica é clara: se ela se mostra ativa, está ultrapassando o limite invisível reservado às mulheres no entorno do poder que é o da influência silenciosa, discreta, doméstica. Janja quebra esse modelo, e isso já seria suficiente pra irritar os conservadores de sempre. Mas não são só eles. Há também um incômodo real dentro do próprio campo progressista. Gente que se incomoda com a postura dela, com a exposição, com as falas espontâneas, com a forma como aparece. E aí entra o ponto delicado: nem todo incômodo é machista, mas todo incômodo está atravessado por gênero.

É possível, e necessário, fazer uma crítica estratégica à atuação pública de Janja sem cair no discurso misógino. O fato é que ela não ocupa um cargo oficial, mas tem influência pública. Não tem função definida no governo, mas interfere no ambiente político-comunicacional. E em política, isso tem consequência. Já houve episódios em que declarações dela causaram desconforto em alas do governo. Já houve postagens que alimentaram crises. Há momentos em que a comunicação presidencial parece se confundir com a pessoal. E quando isso acontece, a oposição não perdoa e o governo paga o preço. O problema, portanto, não é que Janja exista como figura pública. É que sua atuação ainda não foi completamente absorvida pela estrutura estratégica do governo. Ela tem mais visibilidade do que margem institucional para errar. E quando erra, o sistema não sabe muito bem como reagir: se protege, se distancia, se finge de surdo.

O governo Lula parece ter feito uma aposta: apresentar uma imagem mais moderna, afetiva e conectada. Janja é parte central dessa narrativa. Mas essa aposta exige coerência estratégica. Não dá pra tratar a primeira-dama como símbolo de inovação num dia e como figura coadjuvante no outro. Se Janja é parte da frente simbólica do governo, então sua comunicação precisa ser profissional, pensada, protegida e não solta à própria sorte.

É absolutamente verdade que Janja é vítima de machismo, explícito e disfarçado. Mas também é verdade que a forma como ela tem sido inserida no jogo político requer mais cuidado, mais clareza e mais responsabilidade estratégica. Enquanto esses dois fatores não forem debatidos com honestidade, o campo progressista vai seguir dividido, entre quem a defende por princípio e quem a ataca por conveniência, sem que nenhum dos lados pare pra fazer a pergunta certa: Como se constrói uma nova figura pública no entorno do poder sem repetir os erros do passado e sem cair nas armadilhas do presente?

[*] é cineasta, estrategista e comunicador.

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