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Onde os pobres pagam mais caro por comida no Brasil

Artigo escrito pelo doutor em Economia, Wagner Nobrega

Por Wagner Nóbrega [*]

O pobre paga mais caro, simplesmente por ser pobre. Isso que, grosseiramente podemos chamar de multa da pobreza1 acontece quando o pobre não tem as mesmas facilidades, como acesso, a alternativas de consumo que as pessoas não-pobres.

Para evidenciar essa multa, exploramos os microdados2 da parte não qualitativa da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) mais recente do IBGE.

Como variáveis usamos a renda, quantidade adquirida e despesa com o consumo.

Da relação entre as variáveis despesas e quantidade, calculamos o preço pago por item de alimento, com o qual comparamos os estratos geográficos com que a pesquisa separa os lugares pesquisados3, por nível de renda, para identificar os possíveis casos de multa da pobreza.

Todos os resultados das variáveis foram extraídos e calculados tendo a família como unidade de referência.

Resultados

A renda, a quantidade adquirida e a despesa com o consumo de alimentos são sempre maiores na capital do que nos demais estratos, exceto a parcela de renda gasta com alimentação, que é a segunda, mas muito alta (25,6%), considerando-se que a renda familiar e per capita são bem superiores na capital.

Se a aquisição alimentar se destacou no estrato mais rico, ela também se destacou no estrato mais pobre, que é o rural. Nele ocorreu a maior parcela de gastos com alimentos na renda (31,25%), e isso não se deve apenas ao fato da menor renda familiar e per capita estarem na área rural. As quantidades adquiridas de alimentos e as despesas com os mesmos foram as segundas maiores, no caso das quantidades e próximas a isso, no caso das despesas.

Para que isso acontecesse, é fundamental notar que nesse estrato mais pobre (rural), foi onde se observou preços menores pagos pelas famílias em comparação aos demais estratos.

Se para o conjunto das famílias no país os resultados evidenciaram a importância da alimentação nos orçamentos familiares dos extremos mais alto e mais baixo de renda, quando distribuídas as famílias nas grandes regiões geográficas, observou-se que também a aquisição alimentar recebeu destaque nos orçamentos familiares nas regiões mais pobres.

As regiões Norte e Nordeste, de renda familiar de cerca de 2/3 das demais (que têm suas rendas familiares próximas umas das outras), se destacaram na aquisição de alimentos, não só por serem onde se destinam as maiores parcelas da renda a gastos com alimentos, mas também porque apresentam as maiores quantidades adquiridas e despesas com alimentos.

Para a região Norte, a mais pobre delas, pelo critério renda familiar mediana usada nesse artigo, os preços pagos por item de alimento é o segundo maior, atrás apenas daquele pago na região Centro-Oeste, de renda cerca de 50% superior à da região Norte. O preço pago na região Nordeste se mostrou o mais baixo.

Esse maior preço pago por uma região mais pobre, a região Norte, já é uma evidência de multa da pobreza, mas podemos encontrá-la também de outras formas. Comparados os mesmos estratos das regiões, as três regiões de rendas mais altas também apresentaram rendas maiores para cada estrato, do que as dos mesmos estratos das regiões Norte e Nordeste, sem exceção para nenhum estrato.

As maiores quantidades adquiridas de alimentos e despesas alimentares foram observadas nas capitais das grandes regiões, exceto na região Norte, elas não se distribuem hierarquicamente da mesma forma entre os demais estratos, quando comparadas as regiões. Isto pode ser atribuído a que os estratos e as regiões guardam diferenças na forma de aquisição alimentar, por conta, talvez, dos diferentes costumes, padrões alimentares e mercados.

Se não há um padrão que permita comparar as quantidades adquiridas e despesas alimentares realizadas entre os estratos no interior das grandes regiões, o preço pago por unidade de alimento nos revela mais uma evidência de multa da pobreza.

Esses preços tiveram um comportamento comum entre as regiões “mais ricas”, com uma pequena exceção. Eles foram maiores na capital, seguida do estrato urbano fora da região metropolitana, depois o restante da região metropolitana sem a capital e, finalmente o estrato rural. Exceção a isso foi a região Sul, onde os preços no restante da região metropolitana sem a capital são maiores do que no estrato urbano sem a região metropolitana.

Diferentemente das demais regiões, o estrato rural nas regiões Norte e Nordeste não é aquele para o qual o preço pago por família por item de alimento é o menor.

O estrato rural, juntamente com o urbano fora da região metropolitana, na região Norte, e o da região metropolitana, sem a capital, na região Nordeste são aqueles que apresentaram preços mais altos por unidade de alimento.

Entendidas as diferenças entre os preços nos estratos comparados como um custo de oportunidade, abaixo das quais valeria à pena para a família situada em um estrato se deslocar para adquirir alimento na outra, a possibilidade das famílias das regiões mais pobres estarem pagando preços mais elevados em estratos de rendas inferiores, como nos casos apresentados para as regiões Norte e Nordeste, pode indicar que aquelas famílias estão incorrendo em custos mais elevados do que as famílias de mesmos estratos em regiões de rendas mais elevadas, para adquirirem alimentos.

Se a aquisição de alimentos nas regiões Norte e Nordeste acontece a preços maiores em estratos de renda menores, é de se supor que o custo de oportunidade nessas regiões decorre mais de uma falta de oportunidade do que uma escolha.

[*]Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Autor do
Anuário Socioeconômico de Sergipe. Professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe

1 Para um entendimento maior do conceito de multa da pobreza e sua aplicação à aquisição alimentar, ver, por exemplo, Wagner Nóbrega, Tácito Augusto Farias, Luiz Eduardo Nascimento Figueiredo, José
Henrique Santos Rodrigues. “Identificação da multa da pobreza nos estratos rural, urbano e capital do
estado de Sergipe”. Revista de Economia Mackenzie, v. 11, n. 3, São Paulo, SP, jul. 2016, p. 47-71, ISSN
1808-2785 (on-line)


2 Para o leitor pouco afeito a pesquisas e análises de dados, cabe dizer que os microdados são,
basicamente, as respostas dadas aos questionários da POF por todos os entrevistados. Essa base de dados está disponível no site do IBGE.


3 A POF é aplicada separadamente para os estratos capital, região metropolitana, área urbana sem capital
e área rural.

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