Opinião – A reeleição no Brasil: da promessa de continuidade ao fracasso político

Artigo escrito pelo advogado Wesley Araújo

Por Wesley Araújo [*]

Em 1997, sob a liderança do então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 16, que instituiu no Brasil a possibilidade de reeleição para os cargos do Executivo presidente, governadores e prefeitos para um único mandato subsequente. O argumento oficial era nobre: garantir a continuidade administrativa, permitir que os governantes tivessem mais tempo para implementar políticas públicas, além de fortalecer o vínculo entre eleitores e eleitos.

A ideia, à época, parecia sofisticada e moderna: evitar que bons projetos fossem interrompidos por sucessões traumáticas, incentivando os mandatários a dar prosseguimento a programas iniciados no primeiro mandato e a entregar resultados sólidos no segundo. Mas a história é implacável: passados 27 anos, o que era para ser uma fórmula de fortalecimento da gestão pública, revelou-se um equívoco institucional que o próprio Fernando Henrique admitiu anos depois, fazendo uma espécie de “mea culpa” pública.

A metáfora é inevitável: a reeleição foi vendida como um relacionamento amoroso. O primeiro mandato seria o namoro a fase de conhecimento e ajustes, como aquele casal que se testa, aprende a conviver e sonha junto. Já o segundo mandato, seria o casamento, a etapa do comprometimento e da realização: a hora de construir juntos o que foi planejado, de executar os sonhos com base na confiança e estrutura adquiridas.

Contudo, a prática revelou um roteiro bem menos romântico e muito mais perverso. O que se viu, ao longo das décadas, foi uma legião de governantes que, assim que assumem, passam a mover a máquina pública não para governar, mas para se perpetuar no poder. O planejamento, a responsabilidade fiscal e o interesse público foram, frequentemente, colocados em segundo plano diante da necessidade de garantir a reeleição.

Em muitos casos, o primeiro mandato é consumido por um frenesi de obras, programas populistas, distribuição de benesses e arregimentação de lideranças políticas. O foco não está na transformação estrutural, mas na manutenção do poder. Já no segundo mandato, ironicamente, o que predomina é o marasmo administrativo, a apatia, e a perda de interesse em deixar um legado afinal, a Constituição não permite um terceiro mandato consecutivo.

E como se não bastasse, surgiu um fenômeno ainda mais corrosivo: a indicação de parentes muitas vezes sobrinhos, para disputar o cargo e manter o clã no comando.  Pessoas totalmente desconectadas da vida pública, mas que acabam sendo usadas como instrumentos de perpetuação, sustentados por uma máquina administrativa aparelhada e azeitada para o projeto de poder.

A finalidade original da reeleição era o aprimoramento da gestão pública, assegurando a continuidade de projetos iniciados no primeiro mandato e implementados com excelência no segundo. Mas o que se institucionalizou, na prática, foi a cultura do poder pelo poder.

Agora, no calor dos debates políticos contemporâneos, muitos veem o fim da reeleição como uma fórmula mágica para purificar o sistema. O Congresso avança com propostas que preveem não só o fim da reeleição, mas também a unificação das eleições, na tentativa de racionalizar o processo e diminuir os custos eleitorais, como se o problema do país fosse o custo com o processo eleitoral.

Mas aqui cabe um alerta, não se corrige um erro com outro. A discussão sobre o fim da reeleição está sendo feita sem pensar no nosso sistema político e democrático, e pior, sem ouvir os principais interessados o povo brasileiro. O risco é de que, mais uma vez, tomemos uma decisão estrutural sob o calor das conveniências e não com base em um projeto político de país.

Se o Brasil quer mesmo encontrar um rumo, precisa parar de fazer remendos apressados e construir, com seriedade, um projeto político nacional. Caso contrário, continuará nesse ciclo vicioso, onde a democracia é manipulada como uma peça de marketing eleitoral e o povo, como sempre, relegado a um mero espectador de um espetáculo que não escolheu assistir.

[*] é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos

Artigo publicado originalmente no portal Fan F1 – Artigo – A reeleição no Brasil: da promessa de continuidade ao fracasso político – Fan F1

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