
Por Wesley Araújo [*]
Você saberia dizer quantos partidos políticos o Brasil possui hoje? Atualmente, são 29 partidos com registro ativo no Tribunal Superior Eleitoral. Isso parece muito? Acha que o país sofre com excesso de legendas?
Essa é uma pergunta recorrente, especialmente em tempos de descrença na política partidária. E ela ganha ainda mais relevância quando lembramos que, no Brasil, não existe a figura da candidatura avulsa. Ou seja, quem deseja se candidatar a qualquer cargo eletivo precisa, obrigatoriamente, estar filiado a um partido político.
É por isso que os partidos não são apenas instrumentos de representação são portas de entrada para o exercício da democracia. Só se chega à urna como candidato por meio deles. Logo, a saúde da democracia brasileira começa a ser definida dentro das próprias siglas.
O que poucos sabem é que os partidos políticos, no ordenamento jurídico brasileiro, são pessoas jurídicas de direito privado. Isso significa que possuem autonomia para se organizarem conforme seus estatutos, elegerem seus dirigentes, fixarem regras internas e decidirem candidaturas. Essa autonomia partidária, prevista na Constituição, garante liberdade de organização, mas também abre espaço para distorções quando o partido é administrado por um chefe político, conhecido popularmente com o cacique político, exerce o domínio da sigla.
É nesse ponto que entra uma das questões mais sensíveis do nosso sistema político a democracia precisa começar dentro dos próprios partidos. Se não há democracia interna se as decisões são tomadas a portas fechadas, por um grupo restrito de dirigentes, todo o sistema eleitoral se contamina. Candidaturas são decididas previamente, lideranças se eternizam no poder e o cidadão é apenas um espectador de um teatro político com o roteiro pronto.
Nos últimos anos, o Congresso Nacional avançou com medidas que reduzem o número de partidos. A principal delas foi a cláusula de barreira, que impõe desempenho mínimo nas eleições para que uma legenda tenha acesso ao fundo partidário, tempo de rádio e TV, e possa atuar de forma plena no Parlamento. A intenção declarada é “enxugar o sistema” e torná-lo mais funcional. Mas será mesmo?
Com a aplicação da cláusula de barreira, partidos pequenos passaram a enfrentar dificuldades para sobreviver. O resultado direto foi o aumento das fusões e federações partidárias, muitas vezes articuladas mais pela conveniência da sobrevivência institucional do que por alinhamentos programáticos reais. Isso reduziu o número de siglas atuantes e criou um cenário mais concentrado.
E aqui reside o risco, quanto menos partidos, menos opções políticas reais para a população. E menos canais para que novas lideranças possam emergir. Um exemplo claro disso está nas eleições presidenciais. Com poucos partidos com estrutura suficiente para lançar candidaturas competitivas, o processo se torna cada vez mais monopolizado por figuras tradicionais e decisões centralizadas.
Quando os partidos funcionam como clubes fechados, sem democracia interna e sem alternância de poder, o sistema se engessa. E o resultado é que a política deixa de ser um campo de participação plural e passa a ser um jogo de cartas marcadas, onde os mesmos nomes, os mesmos grupos e os mesmos interesses se perpetuam.
Portanto, não é a quantidade de partidos que fragiliza a democracia é a falta de democracia dentro deles. A pluralidade partidária, na verdade, é um reflexo legítimo de uma sociedade diversa. O problema não está em termos 29 partidos, mas em como esses partidos funcionam e em quem tem acesso real a eles.
Reduzir o número de legendas pode até parecer uma solução prática, mas, sem reformas profundas que garantam democracia interna, transparência e rotatividade nas lideranças partidárias, essa “limpeza” do sistema apenas concentra ainda mais o poder nas mãos de poucos. A consequência é clara: menos democracia, menos renovação, menos representatividade.
É preciso estar atento para que ideias ruins não sejam vendidas como soluções viáveis. A questão não é a quantidade de partidos, mas sim a qualidade de suas práticas internas. A verdadeira transformação começa quando os partidos deixam de ser meras siglas e passam a ser espaços de diálogo, pluralidade e representatividade, servindo de exemplo concreto para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e verdadeiramente democrática.
[*] é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos
Artigo publicado originalmente no portal Fan F1 – Artigo – O Brasil tem muitos partidos políticos? Ou falta democracia dentro deles? – Fan F1