Por Francisco Emanuel Silva Meneses Alves [*]
Nós homens não precisamos apenas fazer mea culpas sobre a estupidez ensinada e aprendida (por meninos e meninas, aliás) e sobre o silenciamento das vozes femininas.
Como professor, observador do debate público, da polêmica, mas da política e da poética eu sempre tento me desasnar, como diria o esplêndido Darcy Ribeiro.
Por que nossas cuidadoras são em grande medida “doras”? Os mais velhos ou religiosos diriam que deus deu às mulheres o dom do cuidado. Aí sobra pra mim lembrar o meu Xará dizer que “deus é um cada gozador, que adora brincadeira”.
Nós meninos somos ensinados que temos as mulheres de nossas vidas para nos cuidar e crescemos sem lavar o que sujamos e sem nem buscar cuidados de saúde. Tudo é resolvido por uma mulher pra nós. E aí se nós não reagimos com rudeza diante de uma situação em que o ideal era ter uma mediação dialogada somos chamados de afeminados ou frouxos.
E a menina cresce faxinando, cozinhando, lavando, cuidando de pais, irmãos e avós além de eventualmente trabalhar em “casa de família” para depois casar, se reproduzir e “cuidar da família”.
Sim, é óbvio que precisamos antes de tudo chamar a atenção para o fato de que o cuidado e a responsabilidade são atribuições de todos (todas e todes) diante da humanidade.
Mas porque nossas cuidadoras de idosos, crianças e professoras são mais mulheres?
Quem cuida de quem cuida?
Quem cuida de quem cuida num Brasil cada vez mais idoso, num SUS cheio de gargalos e dificuldades e com uma falta de preparo geracional evidente e gritante no que concerne a como lidar com um planeta ambientalmente doente, com a incidência de doenças crônicas debilitantes e chocantes como o câncer, das doenças degenerativas como as demências (vascular, Alzheimer) ou Parkinson?
Até recentemente não tínhamos sequer a distribuição gratuita de absorventes para Mulheres de baixa renda. Temos ainda uma dificuldade gigantesca de falar de educação sexual com nossas crianças e jovens partindo do princípio que é preciso educar sobre o corpo para evitar abusos, para conscientizar sobre gravidez na adolescência e prevenção de ISTs.
Precisamos de mais mulheres, indigenas, pessoas lgbtqiapn+, negros, pessoas com deficiência e pessoas mais pobres em postos decisórios.
É disso e/ou da aliança com quem está nesses postos que dependem redes de proteção estatal às demandas dessas causas, mas inicialmente precisamos de um trabalho sério e de longo prazo de motivação às candidaturas dessas pessoas.
Não basta criar chapas com mulheres que nem votam em si mesmas, que nem recebem apoio do fundo eleitoral, que nem entendem haver necessidade de mais mulheres na política e portanto apenas compondo números.
A herdeira do clã político será tão reprodutora do grupo quanto qualquer parente masculino próximo. Precisamos de gente comprometida com o diálogo e a mudança social lembrando que se direita e esquerda não importassem mais nós não teríamos partidos com variedade considerável de valores e visões de mundo ou deveríamos assumir a inutilidade de seus princípios ideológicos.
Temos e precisamos de esquerda e direita, mas todo mundo que se propõe a entrar na vida pública precisa lembrar que se faz necessário diálogo, composição e até alguma transigência com quem pensa diferente de nós para que a política institucional dê resultados práticos para os problemas da população. Curiosamente e mesmo que aos trancos e barrancos isso sempre ocorreu de alguma forma, mas agora parece que se turvou ou banalizou mais pelas novas mídias sociais.
Sou filho de uma professora aposentada e sei que minha mãe foi filha, mãe (mãe e pai em grande medida), professora e sindicalista. Em determinado momento de minha infância eu só a via quando eu ia para escola de manhã e quando ela voltava à noite se eu estivesse acordado, já que ela trabalhava os três turnos.
Mesmo assim quem pagava as contas, acompanhava nossos estudos e cuidava de tudo o que precisavamos da saúde ao lazer e educação era ela.
Foi aí que eu conheci nomes importantes do sindicato ao qual estou filiado hoje e vi minha mãe denunciar desvios, desmandos, negligências e absurdos de gestões e gestores que estiveram à frente de seu município e do estado enquanto ela esteve na ativa.
Minha mãe é a única dos filhos dos meus avós que conseguiu cursar uma faculdade. Casou-se com o meu pai, que também é professor aposentado. Quando eu tinha pouco menos que dez anos minha mãe concluiu seu nível superior em história cursado em um dos primeiros PQDs na cidade de Propriá.
Aposentada desde 2011, em 2019 após uma sucessão de pequenos AVCs ela desenvolveu demência vascular e ficou sem andar.
Esse último ponto é delicado por suscitar uma tristeza sem fim pelas limitações que sua condição desde então lhe trouxeram, mas também nos trouxe grandes aprendizados e reflexões sobre a importância, a necessidade de saber lidar adequadamente com uma demência e com os cuidados de pessoas idosas.
Foi graças a minha mãe que pensei em ir para a história ou a sociologia.
Lembrando mais uma vez Darcy Ribeiro quando disse que os comunistas lhe deram a consciência de sua responsabilidade nos destinos da humanidade eu gostaria de através desse texto dizer que há muito o que ser feito pelas mulheres por si mesmas e que é óbvio que isso não será mudado por concessões masculinas, mas só pela luta das mulheres e pela participação consciente dessas nas coletividades e posições de poder.
Há ainda a necessidade de se chamar a atenção para a necessidade das mulheres que são vítimas de violência doméstica serem acolhidas e de que vizinhos, comunidade e família “metam a colher”. Antes criar confusões familiares do que presenciar feminicidios e quiçá mutilações e danos físicos debilitantes e aviltantes a dignidade humana.
É o que sempre digo à minha esposa Maria Beatriz e o que sempre falo aos meus alunos: a política é feita por quem ousa e se dispõe a fazê-la e aqueles que a recusam ignoram a realidade e decidem que alguém decidirá por eles.
Então vamos fazer a política a partir de quem habitualmente cuida e cria em nossas casas, mas também tem sem dúvida alguma muito a criar, cuidar e combater nos conselhos, parlamentos, executivo, judiciário e demais postos de poder na sociedade.
*Francisco Emanuel Silva Meneses Alves é cientista social, articulista, comunicador político @profchicocompolitica (no instagram), idealizador do projeto “a democracia vai à escola: um diálogo entre a juventude e os poderes da República” e professor de sociologia da rede estadual