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Perguntas sobre a manutenção dos juros altos pelo COPOM que todos precisamos fazer, mas não temos coragem

Artigo escrito pelo doutor em Economia, Wagner Nobrega

Por Wagner Nóbrega [*]

Nos dias 1 e 2 do próximo mês acontecerá a 256ª reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM).

O COPOM se reúne oito vezes por ano para decidir sobre a meta a ser perseguida para a taxa de juros e há uma forte pressão do governo federal para que a taxa de juros caia dos atuais 13,75%, para onde foi elevada desde a 248ª reunião de 03/08/2022. A exemplo do Bradesco, os agentes do mercado financeiro esperam uma queda conservadora, de 0,25 pontos percentuais, já na próxima reunião.

Essa meta, combinada com a taxa de empréstimo do Banco Central às instituições financeiras, a indisponibilidade obrigatória exigida pelo Banco Central de parte dos depósitos daquelas instituições e as transações de compra e venda de títulos públicos federais feitas pelo Banco Central afetam a quantidade de moeda disponível para transações. Nessa combinação, a meta de juros é muito importante, porque os juros também referenciam, ou compõem, aqueles demais instrumentos de política monetária.

A quantidade de moeda disponível ao fim de cada combinação de instrumentos pelo Banco Central impacta a inflação. Assim, para cumprir com sua obrigação de perseguir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central combina de diferentes formas os instrumentos de política monetária, dentre os quais, como dito, a meta de taxa de juros definida pelo COPOM.

Ora, se as decisões do COPOM são técnicas e o Banco Central é independente, teria fundamento a pressão exercida pelo governo para que as taxas de juros baixem?

Mais do que trazer esclarecimentos, quero levantar algumas questões fundamentais para tirar essa discussão do campo retórico do falso conflito entre decisões técnicas (aparentemente inquestionáveis) x decisões políticas (aparentemente irresponsáveis). Ou seja, quero colocar lenha na fogueira, o que é uma tarefa fácil, pois não faltam questões que podem ser feitas sobre o assunto.

O modelo de independência do Banco Central brasileiro já é, por si só, questionável. Os membros do Copom são o presidente e os oito diretores do Banco Central. Eles têm mandatos de quatro anos, renováveis por mais quatro, não coincidentes com o mandato do presidente da república. Eles são indicados, ou seus mandatos são renovados pelo presidente da República e, acabam, todos eles, recebendo o aval do presidente da república vigente, pelo menos uma vez durante o mandato desse último.

Tão ruim quanto a desconfiança que paira por conta da relação entre os membros do COPOM e o presidente da república é o fato de que as decisões do COPOM são tidas como “técnicas”, mas não há transparência sobre as abordagens teóricas, evidências empíricas e divulgação de quais foram as técnicas escolhidas para fundamentar tais decisões em cada reunião.

Embora importantes, essas questões não diretamente estão no campo dos negócios, ou agregados econômicos. Nesse âmbito, a questão mais evidente talvez seja: por que o COPOM decide perseguir uma taxa de juros de 13,75% para limitar uma meta de inflação acumulada no ano de 3,25% (com margem de 1,5 pontos percentuais para mais ou para menos, o que daria, no máximo, uma inflação de 4,75%)?

Mesmo que a inflação estimada pelo COPOM para o ano esteja um pouco acima do máximo da meta (5,12%), a diferença entre a inflação estimada e a taxa de juros seria de 8,63 pontos percentuais. O Copom entende, portanto, que para combater a inflação, precisamos pagar um prêmio real aos portadores de ativos que podem se transformar em moeda, bem maior do que a inflação (e pode ser quase o dobro dela, a continuar a tendência de queda da inflação).

Supostamente, se a diferença a maior da taxa de juros com relação à inflação esperada fosse anulada e a inflação não chegasse a quase dobrar de tamanho por conta disso, o custo social seria o mesmo. A diferença seria que ao invés de ficarmos feito loucos tentando controlar o endividamento nos dedicaríamos a aperfeiçoar a produção de modo que a inflação baixasse, o que seria muito mais proveitoso.

A taxa de juros incorpora a inflação, sendo essa a parte nominal daquela, conforme o assim chamado Efeito Fisher. Mesmo se, conforme o efeito Fisher e seguindo a fórmula monetarista adotada pelo COPOM, entendermos que toda diminuição da remuneração real embutida na taxa de juros é transformada em inflação e esta é computada de volta na taxa de juros, precisaríamos ter uma medida, se possível exata, com que cada parcela daquela parte real da taxa de juros se converte em inflação e isso, conforme dito pelo próprio atual do presidente do banco central, não é um processo tão preciso e, portanto, não tem uma medição tão exata. Mesmo assim, restaria a possibilidade de a diferença tão
maior ser trocada por mais inflação e, quem sabe, se chegar a uma taxa de juros total menor.

Se avançarmos para os desdobramentos do questionamento anterior, podemos pensar qual o efeito que teria aquela diferença tão alta entre a taxa de juros e sua componente de inflação, já que ela remunera o capital.

Presentemente e no Brasil, essa remuneração se dá em patamar muito acima de praticamente qualquer outra remuneração de renda variável, no mercado financeiro, provavelmente também, da maioria da aplicação produtiva do mesmo. Nesse último sentido, John Maynard Keynes, um economista que revolucionou a ciência econômica na terceira década do século passado e que muitos dizem já estar ultrapassado, indicou a taxa de juros como uma medida simples referencial, que limita o nível de investimentos de uma economia, à medida que precifica o custo de oportunidade, por exemplo, entre
assumir os riscos do emprego produtivo do capital, ou obter a mesma remuneração de forma um pouco mais tranquila, no mercado financeiro. A taxa de juros estando alta, portanto, limitaria o volume de investimentos a um nível abaixo do seu potencial e, consequentemente, a capacidade produtiva da economia cresceria a uma velocidade menor do que poderia, o que, por sua vez, manteria a inflação em níveis mais altos. A redução da parte real dos juros, ao contrário, aumentaria os investimentos e o crescimento da oferta poderia reduzir a inflação.

Outra questão ululante, mas pouco tratada é: se a compra e venda de títulos públicos é o instrumento básico do ajuste da taxa de juros e o governo ocupa já quase metade de seu orçamento com essas despesas, o custo de se deixar à conta do público o ônus de uma taxa alta de juros compensa o benefício da parte controlada da inflação?

Uma terceira questão resulta da anterior.

Dado o volume expressivo dos títulos públicos na quantidade de moeda “controlada” pelo Banco Central e o impacto inflacionário recente das transações com os mesmos, o aumento das despesas com juros mais alimenta, ou, de fato, combate a inflação?

[*] Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Autor do
Anuário Socioeconômico de Sergipe. Professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe.
E-mail: profwn@hotmail.com

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