Por Yuri Norberto [*]
É cruel dizer isso, mas é necessário.Dentre os vários fatores que explicam esse fenômeno, há um elemento estrutural incontornável — a precariedade sistêmica que impede o ensino de cumprir sua missão. Em um município sergipano, por exemplo, apenas 6% dos alunos do 9º ano atingiram o nível adequado em matemática. Mais da metade (51%) permanece no nível “básico”, aquele território cinzento onde se aprende um pouco, mas não o bastante para transformar destinos[1]. Esses dados não são apenas números: são sentenças silenciosas sobre o futuro de uma geração.
Matemática, nesse contexto, não é apenas uma disciplina: é um passaporte para o desenvolvimento. Segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), profissionais com domínio matemático podem ganhar até 85%[2] mais. Mas seguimos negligenciando essa chave de acesso à cidadania plena. Em vez de formar jovens com capacidade crítica e preparo técnico, estamos empurrando para o mercado de trabalho adultos frágeis, dependentes, com repertório limitado diante de um mundo que exige raciocínio, análise e tomada de decisão. A escola, que deveria romper ciclos de pobreza, termina por reforçá-los.
Parte disso decorre de políticas públicas que apostam em soluções simbólicas. A mera presença de internet nas escolas, como também mostrou o Ipea, não melhora o desempenho acadêmico se não vier acompanhada de intencionalidade pedagógica, infraestrutura de apoio e formação docente real. Dados da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) mostram que onde há incentivo, há progresso. Mas também escancaram desigualdades: em 2021, havia dois meninos premiados para cada menina, revelando como o gênero também opera como filtro de exclusão. E quando a exclusão é múltipla — por pobreza, território, gênero — ela se cristaliza como herança.[3] A boa notícia é que esse cenário não é imutável Diante disso, o cenário não pede apenas diagnósticos. Pede coragem — e ação. Gestores públicos precisam transformar os dados em estratégia. Isso significa mapear, com precisão, quais alunos estão no nível básico e insuficiente e criar planos de intervenção realistas, sustentáveis e mensuráveis. É possível estruturar clubes de matemática, programas de reforço pedagógico focado em resolução de problemas, tutoria entre pares, ações afirmativas para meninas nas exatas e rotinas de monitoramento quinzenal da aprendizagem com base em instrumentos próprios. Formação docente contínua, com foco didático em lugar de apenas teórico, também precisa voltar ao centro da agenda — porque sem professor bem formado, nenhuma política se sustenta.
Porque, no fim das contas, quando a escola pública não forma, o mundo se encarrega de deformar. E uma sociedade que abandona seu dever de educar está, na prática, renunciando ao seu poder de transformar. A omissão cobra caro — e quem paga a conta são, quase sempre, os que já tinham pouco. Investir na aprendizagem, com seriedade e estratégia, é o primeiro passo para que a educação deixe de reproduzir a pobreza — e comece, finalmente, a romper com ela.
[*] é professor de Sociologia na rede pública de Sergipe, fundador do POP (Atheneu de Políticas Públicas) e criador do Observatório Internacional da Notícia. Especialista em liderança pela Universidade de Columbia( EUA).Tem experiência em políticas públicas, com passagens pelo IPEA, ProJovem e Secretaria de Inclusão Social de Sergipe. É membro da Rede de Líderes da Fundação Lemann, do UBUNTU/Vetor Brasil e da Rede Conectando Saberes
[1] Dados do IDEB 2023
[2] https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/15775-dominio-de-matematica-pode-aumentar-salarios-em-85-e-impulsionar-a-economia-nacional
[3] https://www.ipea.gov.br/portal/publicacao-item?id=5a318960-f8e0-40f0-946c 1839fdc69fdc&highlight=WyJub3RhcyIsIm5vdGFzJyIsIm1hdGVtXHUwMGUxdGljYSIsImVuc2lubyIsIidlbnNpbm8iLCJtXHUwMGU5ZGlvIiwibVx1MDBlOWRpbyciLDIwMjEsImFuXHUwMGUxbGlzZSIsIidhblx1MDBlMWxpc2UiLCJhblx1MDBlMWxpc2UnLCIsImVtcFx1MDBlZHJpY2EiLCJwYXJ0aXIiLCJkYWRvcyIsIidkYWRvcyIsImRhZG9zJyIsImRhZG9zJ2JcdTAwZTFzaWNvcyIsIm9ibWVwIiwidXNvIiwidXNvJy0iLCJpbnRlcm5ldCIsImludGVybmV0J3MiLCJwZWxvcyIsInBlbG9zJyIsImFsdW5vcyIsInNhZWIiLCJzYWViJ3MiLCJtYXRlbVx1MDBlMXRpY2EgZW5zaW5vIiwibWF0ZW1cdTAwZTF0aWNhIGVuc2lubyBtXHUwMGU5ZGlvIiwiZW5zaW5vIG1cdTAwZTlkaW8iLCIyMDIxIGFuXHUwMGUxbGlzZSIsImFuXHUwMGUxbGlzZSBlbXBcdTAwZWRyaWNhIiwiZW1wXHUwMGVkcmljYSBwYXJ0aXIiLCJpbnRlcm5ldCBwZWxvcyIsImludGVybmV0IHBlbG9zIGFsdW5vcyIsInBlbG9zIGFsdW5vcyJd