Quando o machismo substitui o debate: Em defesa de Marina Silva e da democracia

Artigo escrito pelo advogado Adir Machado

Por Adir Machado [*]

Há momentos na história política em que não é mais possível o silêncio. Não se trata de escolher lados partidários, ideológicos ou de governo. Trata-se de algo muito mais profundo, mais grave e mais urgente: o dever de defender a dignidade, o respeito e os pilares básicos da democracia.

O que assistimos no Senado Federal, com as agressões direcionadas à ministra Marina Silva, não é apenas uma afronta a ela enquanto integrante do governo. É uma afronta a todas as mulheres que ousam ocupar espaços de poder, que se recusam a abaixar a cabeça e que, mesmo enfrentando uma estrutura historicamente patriarcal, continuam firmes, altivas e preparadas para exercer com excelência suas funções públicas.

Não é novidade que, quando uma mulher ocupa uma cadeira onde historicamente só se sentaram homens, o desconforto de muitos aflora. A crítica técnica, legítima e saudável para a democracia, cede lugar a ataques desqualificadores, que não se voltam ao conteúdo, mas ao gênero, à existência e à ousadia de ser mulher em espaços de decisão.

O que fizeram com Marina não é um episódio isolado. É expressão de uma misoginia estrutural que perpassa os partidos, os poderes e as instituições. Marina Silva, mulher, negra, de origem humilde, ambientalista, vencedora em um país que não costuma perdoar quem ousa vencer sendo quem ela é, tornou-se alvo não por seus argumentos, mas por ser quem é.

O episódio de repercussão nacional envolvendo pessoa pública de projeção internacional serve inclusive para não minimizarmos os ataques são feitos feitos em todo canto deste país, a exemplo dos ataques e perseguições orquestrados às Deputadas Kitty Lima e Linda Brasil, Deputadas em Sergipe, quando, ao invés de debaterem suas propostas e atuações, fazendo a crítica política legítima, parte da sociedade, muito bem enraizada no poder, opta por atacá-las pessoalmente, desqualificá-las e constrangê-las.

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar.”

Inspirado nesta parte da famosa “Carta da Prisão de Birmingham” escrita por Martin Luther King Jr. em 16 de abril de 1963, enquanto estava preso por participar de protestos pacíficos contra a segregação racial, voltarei em novo artigo a tratar do que ocorre em Sergipe.

Por ora, relembro que o contexto da frase de King é extremamente poderoso: ele alertava que não podemos considerar um problema como local, isolado ou irrelevante, porque onde quer que haja injustiça, ela ameaça todo o tecido da sociedade e da humanidade. O silêncio ou a omissão diante da injustiça em qualquer lugar equivale a ser cúmplice dela em toda parte.

O recado que tentam dar é claro: “Mulheres, não se atrevam. Esse espaço não é de vocês.” Mas, como bem ensinou a história, quanto mais tentam empurrar as mulheres para fora da arena pública, mais elas se fortalecem. E não estão sós. Homens e mulheres que compreendem a importância de uma sociedade justa e igualitária estão atentos e dispostos a não tolerar esse tipo de violência disfarçada de debate.

Não se trata de concordar com Marina em tudo. Trata-se de compreender que o contraditório precisa ser exercido dentro dos limites do respeito, da civilidade e da igualdade. Discordância não pode ser desculpa para agressão. Divergência não autoriza a violência simbólica, verbal e institucional.

É preciso dizer, com todas as letras: o que ocorreu no Senado não envergonha Marina. Envergonha quem praticou. Envergonha o país. Envergonha a democracia.

Da mesma forma que defendemos as mulheres em Sergipe, defendemos agora Marina Silva no cenário nacional. Porque a luta não é apenas das mulheres. É de todos aqueles que acreditam em uma sociedade onde o mérito, o preparo e a dignidade estejam acima do preconceito, do machismo e do ódio.

Que a cena lamentável que assistimos sirva de alerta. O Brasil do futuro não comporta mais esse tipo de comportamento. E quem insistir em agir assim estará, inevitavelmente, condenado à irrelevância moral, histórica e política.

[*] Advogado

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