Por Luiz Eduardo Oliveira [*]
Vivemos um momento bastante conturbado na história “recente” da humanidade, porém aqui em Sergipe a situação é outra. Não estamos preocupados com os estragos e os reflexos das guerras, afinal de contas somos o “país dos forrós” e “dos carnavais”. Estamos, todos, mesmo que obrigatoriamente, focados no pré-caju. Não se fala em outra coisa e mesmo que humanos continuem morrendo no “outro” lado planeta, vamos festejar, afinal isso pode render votos.
Há alguns anos, só para falar em contemporaneidade, estamos passando por alguns conflitos armados e apenas a mídia divulga episódios das guerras entre a Rússia e Ucrânia, Palestina e Israel, além dos que ocorrem na Síria e Afeganistão. Com certeza esses conflitos são preocupantes e causam uma sensação de “fim do mundo”, contudo, outros humanos continuam morrendo ao redor deste pequeno planeta, que gira em torno de si e do sol, em movimentos orquestrados e precisos. Situações, igualmente perversas, estabelecidas por guerras civis, violências étnicas ou terrorismo, estão ocorrendo em Myanmar e Iêmen, além de boa parte do continente africano: Mauritânia, Argélia, Tunísia, Líbia, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Somália, Mali, Níger, Burkina Faso, Chade, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Uganda, Tanzânia, Moçambique, Camarões, Nigéria, Benin, Togo, Gana, Costa do Marfim.
No contexto americano são preocupantes as guerras proporcionadas pelos carteis das drogas em México e Colômbia, além das ditaduras na Venezuela e Nicarágua que provocam as migrações forçadas, utilizando uma expressão da socióloga holandesa, Sáskia Sassen. Situação bastante crítica também se passa no Haiti.
As estimativas apontam alguns dados que nos levam a duvidar da nossa condição de humanos, que vivem sob a égide da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) e que possuem um Organismo Internacional que existe e trabalha pela paz mundial, a Organização das Nações Unidas, criada em 1945 e sucessora da Liga das Nações.
Segundo informações extraoficiais, o conflito provocado pela Rússia ao invadir a Ucrânia, citação do jornal The New York Times, já provocou 70 mil mortos e cerca de 120 mil feridos.1 Na Etiópia, em 2022, ocorreu o palco do conflito armado mais mortífero em todo o mundo, com mais de 104 mil mortes registadas na guerra do Tigray, no norte do país. O conflito foi classificado como um dos mais brutais no
mundo, sendo registrados assassinatos de civis e estupros em grande quantidade.2 Ainda na África, a situação na República Democrática do Congo, segundo levantamento da ONU, já ocasionou a saída forçada de 1,7 milhões de cidadãos. O conflito foi classificado como o mais sangrento conflito armado desde a Segunda Guerra Mundial.3 No Iêmen, um dos mais pobres no mundo árabe, a luta entre xiitas e sunitas provocou mais de 8.6 mil pessoas já foram mortas desde 2015. A ONU classificou a situação de “uma grave crise humanitária4.
Vivemos no mundo pautado na busca pelo poder econômico e político mundial, onde a geopolítica interessa e gira em torno nos países que compõem o Conselho de Segurança do órgão, a ONU, e que não é capaz de barrar as intolerâncias religiosas, étnicas e econômicas. Somos obrigados, por governos de direita e de esquerda, a termos o mesmo pensamento, o mesmo objetivo de desenvolvimento econômico e a mesma sensação de poder.
Pensamento este que pode ser representado pela mitologia romana, Janus, divindade bifronte, cuja cabeça pode ser vista no Museu Nacional Etrusco, e que é uma ilustração que pode traduzir o nosso modo de vida. Somos duais e as formas são as mais variadas: homem/mulher, alto/baixo, quente/frio, ocidente/oriente, desenvolvido/atrasado, bonito/feito, direita/esquerda e esquecemos das várias possibilidades existentes. No grupo “antagónicos”, capitaneado pelo prof. David Sanchés Rúbio discutimos, sempre, a possiblidade da existência de outras realidades possíveis.
Nós, sergipanos, continuamos divididos politicamente, religiosamente, socialmente, mas unidos em torno das festas juninas, carnavalescas e natalinas, sempre valorizando, em primeiro lugar, os artistas de outros Estados.
Vivemos situações preocupantes quando falamos sobre violência urbana, drogas, saúde coletiva, educação básica, insuficiência de saneamento básico, falta de infraestrutura nas escolas e nos postos de saúde, etc, mas nada disso interrompe o objetivo principal de “lideranças” políticas. Não temos a presença, ainda, de representantes do Hamas, da Jihad Islâmica, do Hezbollah, dos cartéis de Sinaloa e de Jalisco Nueva, entretanto a presença de grupos como o PCC, o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital, o Comando Norte/Nordeste já ameaça a sensação de segurança e sugere que o embrião de grupos terroristas já está em gestação.
Existem sergipanos que não gostam de futebol, de carnaval, de caranguejo e que entendem que o momento pelo qual estamos passando é extremante sério e grave, que pode trazer reflexos e comprometer a nossa vida no planeta. Pensar nesses conflitos, criticamente, não compromete o espírito alegre e festivo dos sergipanos.
[*] Professor de Direito Internacional
1 Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn461pj8djmo.
2 Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60690640
3 Fonte: https://www.proenem.com.br/enem/geografia/conflitos-mundiais-principais-causas-e exemplos/
4 idem