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Uma Constituição em reformas…

Artigo escrito pelo professor em Direito, Luiz Eduardo Oliveira

Por Luiz Eduardo Oliveira [*]

Para os especialistas em Direito Constitucional, da carta de 1988, a “Lei das leis” ainda é o guia de todos os cidadãos brasileiros. Confesso, estarrecido e indignado, que a sensação que tenho é que estamos sob um “novo” arcabouço jurídico, mais influente e mais estranho que pode ser reinterpretado a qualquer momento, o que provoca a sensação de insegurança jurídica.

São aproximadamente 35 anos de transição democrática, onde o Estado Democrático de Direito tem sido atacado. Nada de anormal, principalmente porque temos instituições que devem preservar o espírito e os fundamentos da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988.

Ainda posso ouvir e recriar, mentalmente, as palavras e a fisionomia do brasileiro Ulisses Guimarães ao se referir à Constituição como cidadã, muito embora as intenções nela contidas não foram suficientes para retirar da vulnerabilidade a grande maioria dos cidadãos brasileiros. Não podemos esquecer que constituem fundamentos da nossa República, entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, previstos no artigo primeiro.

De lá para cá, sofremos um processo, uma construção e uma transição onde os poderes se alternam no “poder” e ao invés do sentimento de harmonia e independência, somos expostos ao lado inverso do sistema de pesos e contrapesos (Montesquieu nem de longe pensou “o caso brasileiro”).

Poucas coisas são verdades e nos tempos atuais nem mesmo Zigmunt Bauman pensou em uma modernidade tão líquida quanto a brasileira. Aqui, o que estudamos e aprendemos como segurança jurídica está cada vez mais, frágil, fugaz e maleável. Um perigo.

Os constituintes originários pensaram, e, portanto, devem ser respeitados, em preservar e assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de nossa sociedade. Seguimos, por enquanto, sob essa proteção constitucional.

Como um princípio fundamental foi estabelecida a figura dos poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário – sem nenhuma supremacia de um sobre os demais. Seguindo nessa linha de raciocínio, podemos encontrar, na Lei das leis, como cláusulas pétreas, como limitações ao poder de reforma de nossa constituição, alguns temas que não podem ser objeto sequer de deliberação, como a forma federativa de Estado, o voto direto, universal e periódico, a separação dos Podres, bem como os direitos e garantias individuais. Estão previstos no artigo 60, parágrafo 4º C.F.

A mesma constituição, no Título IV, que trata da organização dos poderes, do artigo 44 até o artigo 126, em nenhum momento deu a entender qualquer hierarquia de um Poder sobre os demais. Qualquer ilação é facilmente descartada, à luz da hermenêutica constitucional. O Supremo Tribunal Federal só existe, enquanto Supremo, como órgão do Poder Judiciário, é o que se depreende do artigo 92 da C. F., cabendo-lhe, precipuamente, a guarda da Constituição.

A nossa Carta Maior prossegue organizando o Leviatã (o Estado, na concepção do Thomas Hobbes), disponibilizando sobre o modo de condução das finanças públicas (artigos 163 até 164-A), orçamentos (artigos 165 até 169), estabelecendo os princípios gerais da atividade econômica (artigos 170 até 181).

Obviamente que a nossa Constituição em vigor, também traça os ditames gerais que cobrem a ordem social, mais especificamente sobre Seguridade Social, Saúde, Previdência Social, Assistência Social, Educação, Cultura, Desporto, etc.

O sistema Tributário Nacional está adstrito ao título VI, da nossa Constituição, a partir do artigo 145 até o artigo 162, onde serão disponibilizados, além das limitações do poder de tributar, os impostos da União, os impostos dos Estados e distrito Federal e os impostos dos municípios, entre outros assuntos tributários.

De 1988 até agora já são mais de 125 emendas constitucionais, a primeira, por ironia, que dispunha sobre a remuneração de Deputados Estaduais e dos Vereadores, foi publicada no Diário Oficial da União em 06/04/1992. Uma trajetória que transformou a nossa Constituição, em um documento nada fácil de entender. Só para que não esqueçamos, nenhuma emenda constitucional pode abolir as chamadas cláusulas pétreas.

No nosso país, no nosso Estado Democrático de Direito, as emendas só podem ser aprovadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com um quórum de três quintos dos votos, em dois turnos de votação, em cada uma das casas legislativas respectivas. É o que diz o nosso ordenamento jurídico, não sendo competência de nenhum outro Poder. Importante deixar isso muito claro.

Quanto à “reforma tributária”, no conhecido “calabouço” fiscal, algumas considerações são necessárias, pois tivemos, em 2017, aprovado pelo Congresso Nacional, em uma atitude corajosa e ousada, o teto de gastos, obrigando aos gestores o repensar sobre gastos e realocação de recursos.

O que se propõe, através do projeto de lei complementar – PLP 93/2023, no arcabouço fiscal, pode ocasionar um aumento na carga tributária para reajustes ou elasticidade no teto dos gastos e poderá ocasionar fortes impactos na economia brasileira a médio e longo prazos. É imprescindível o debate sobre a reforma tributária.

Segundo o professor Ives Gandra et al, a “reforma tributária” apresentada possui vícios do modelo de tributação que podem provocar a redução dos poderes de Estados e Municípios na tributação do consumo, também poderá ocasionar uma desproporcionalidade em matéria de alíquotas, o que é incompatível com o mercado internacional, apresenta dúvidas quanto ao funcionamento do conselho federativo e, ainda, poderá ocasionar o imposto seletivo1.
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O momento social, econômico e político, nacional e internacional que estamos atravessando, requer, de todos nós, mais participação política e na política e para tanto, no diz respeito à guarda da Constituição e às emendas constitucionais é importante o pronunciamento da Associações dos Juízes Federais, da Associação dos Juízes Estaduais, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação dos Oficiais de Justiça, da Associação dos Auditores Fiscais, da Associação dos Procuradores da República, da Associação dos Procuradores Estaduais, da Associação dos Promotores Públicos, da Associação dos Defensores Públicos da União e dos Estados, da Associação dos advogados Públicos da União, dos Conselhos Nacionais e Estaduais de Medicina, de Engenharia, de Enfermagem, de Odontologia, de Serviço Social, de Filosofia, de Sociologia, entre outros, para que pudéssemos discutir sobre temáticas tão importantes e que impactam a vida de todos nós cidadãos. Por enquanto, cada uma das associações, conselhos e sociedade com pouca participação, no sentido de pensar as reformas que estão sendo inseridas em nossa Constituição.

[*] Professor de Direito

1 Considerações necessárias sobre a Reforma Tributária por Ives Gandra, Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila e Roque Carraza. Fonte: https://tributarionosbastidores.com.br/2023/07/reformatributarianobrasil/

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