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(In) segurança pública, um debate necessário

Artigo escrito pelo professor Luiz Eduardo

Por Luiz Eduardo Oliveira [*]

Há muitos anos que a questão de segurança pública é considerada como essencial para o Estado de Direito e para a Democracia, palavras banalizadas e relativizadas no Brasil. Enquanto sociedade cerceada no direito à autodefesa com uso da força, salvo raras exceções, cabe ao Estado proporcionar segurança, com qualidade e efetividade, porém, algumas questões precisam ser respondidas pelos gestores públicos, dos três poderes, em virtude do aumento das taxas de criminalidade, da degradação do espaço público, do aumento do encarceramento de pobres, das dificuldades na implementação de reforma das instituições da administração da justiça criminal, entre tantas outras que promovem a sensação de insegurança.

Temáticas sensíveis como a violência policial e a praticada contra os que compõem a instituição, superlotação nos presídios, rebeliões, fugas e “saidinhas”, condições de internação de jovens em conflito com a lei, morosidade judicial, corrupção, perícias policiais e outros tantos, comprometem o processo de consolidação da democracia no país e, portanto, devem ser discutidas pela sociedade.

As medidas preventivas são sempre mais eficientes e menos onerosas para o Estado e precisam alicerçar todas as políticas públicas relacionadas à segurança pública e, corroborando na aplicação sistemática da prevenção, outra indagação que deve ser posta à mesa de debates diz respeito ao fato que a violência na qual a sociedade brasileira está submetida não é uma questão, somente, da segurança pública institucionalizada. A violência é um problema a ser combatido por todos os órgãos, instituições e principalmente pela sociedade. Não se pode esquecer que o Estado é uno e não se triparte, ou seja, todos os atos praticados pelo Estado decorrem de um só Poder, citando uma expressão do constitucionalista Pedro Lenza.

Importante deixar claro que o problema da violência e, por conseguinte, da segurança pública, não está adstrito aos órgãos de segurança e das instituições de justiça e a capacidade gerencial deve ser discutida por toda a sociedade, levando em consideração que o referendum de 2005 sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, no que se referia ao artigo 35, não foi aceito pelos gestores, à época.

Estudos recentes realizados pela academia, pelo Fórum de Segurança Pública, pelo Atlas da Violência, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, escancaram dados que dão sentido à sensação de impotência e de insegurança que acomete o Brasil.

O papel do município, no que se refere à segurança pública, não está presente no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, que a prevê como dever do Estado e elenca os órgãos que realizam a segurança pública, a exemplo da polícia federal, polícia rodoviária federal, policiais civis, policiais militares e corpos de bombeiros militares, e policiais penais federal, estaduais e distrital. Não obstante, o papel dos municípios foi estabelecido com a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), através da Lei n. 13.675/2018, com a previsibilidade das Guardas Municipais, como integrantes operacionais da SUSP. Vale ressaltar que as Guardas Municipais já estavam reguladas desde 2014, quando da criação do Estatuto Geral das Guardas Municipais, através da Lei 13.022. Na Constituição do Estado Sergipe, a segurança pública encontra-se prevista no artigo 125 e no artigo 128 que possibilitou a criação das guardas municipais.

Sem pretensão de adentrar no âmbito das competências Federal e Estadual, importante destacar a participação dos municípios na questão que envolve a segurança pública, principalmente com a institucionalização das Guardas Municipais.

Neste sentido qualquer política pública em âmbito municipal precisa prever a gestão da segurança no contexto de cidades modernas e sustentáveis, na continuidade das políticas urbanas, nas ações pautadas na inteligência, na inovação com as guardas civis, no grande problema da violência armada e nos territórios urbanos e na relação entre a desigualdade urbana e a segurança. Entretanto, faz-se necessário a preparação, o diagnóstico, o envolvimento da comunidade e a formulação do plano, bem como a pactuação social.

Algumas fontes de informação são imprescindíveis para a discussão: as do Sistema de Segurança Pública, porque registram os boletins de ocorrência, e as do Sistemas de Saúde, porque sintetizam informações sobre mortalidade, SIM/Datasus. Diante desses dados podem ser feitas análises sobre mortes violentas intencionais (principal indicador para discutir segurança pública), violências letais diante de um desenho geográfico, violência contra meninas e mulheres, violências perpetradas por parceiro ou ex-parceiros, violências sexuais (estupros), violência contra crianças, adolescentes e idosos, violência patrimonial, violências contra a população LGBTQI+, violências psicológicas e outros tipos de violências.

Pensar e discutir segurança pública requer, também, entender os contextos nos quais estão inseridos os profissionais da segurança, em especial, os policiais. É preciso realizar e atualizar o mapa das polícias e dos bombeiros militares, realizar uma padronização remuneratória nacional, cursos preparatórios e motivacionais, aproximar os profissionais da segurança com a comunidade e sociedade em geral.

Concomitantemente é necessário analisar o sistema prisional. O Brasil ostenta um sistema caro e pouco efetivo, encarcera seletivamente e provoca uma superpopulação sem perspectivas dentro e fora do sistema (ressocialização “no papel”). Segundo portal do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil possui 711.463 presos e ocupa a terceira posição mundial de maior população encarcerada. Segundo o Sistema Nacional de Informações Penais – SISDEPEN, Sergipe possuía 6.773 presos (final de 2022). Relatos documentados e alarmantes.

Alguns dados desatualizados e a dificuldade no acesso às informações dificultam uma análise mais próxima da realidade das cidades brasileiras. Aracaju, há aproximadamente uma década, em 2015, chegou a ocupar o 37º lugar entre as 50 cidades mais violentas do mundo, de acordo com a ONG Seguridad, Justicia Y Paz. Atualmente, a cidade de Aracaju melhorou no ranking, mas a sensação de insegurança ainda é perceptível em toda a cidade. Segundo a Band, Bora Brasil, revelando uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2023, Aracaju ocupa o 11º lugar no ranking das capitais “mais inseguras” do país, sensação apontada por quase metade dos entrevistados (46,3%).

Necessário que a cidade de Aracaju realize um diagnóstico sério, levando em consideração que possui um sistema de segurança pública pouco eficiente, relativamente caro e sem inovação, com baixa taxa de esclarecimento da autoria dos crimes e que precisa enfrentar, urgentemente, os desafios da redução da violência letal, do enfrentamento ao crime organizado (facções e milícias), da violência contra públicos mais vulneráveis (crianças, adolescentes e idosos), do aprimoramento e reestudo do sistema de controle de armas (respeitando as diretrizes do governo federal), da governança do sistema de segurança pública e justiça criminal, e do combate à corrupção institucionalizada (protegida). Ao mesmo tempo é imprescindível pôr em prática a valorização dos profissionais de segurança pública e reestruturar as condições do cumprimento de penas no sistema prisional.

Sergipe conta com a participação e a expertise dos profissionais da Segurança Pública, da academia, com várias pesquisas e publicações que revelam o problema e aponta possíveis soluções e com o apoio dos profissionais da saúde, da educação e da sociedade civil.

A sociedade aracajuana merece voltar a conversar nas calçadas sem ser molestada, as crianças dessa cidade têm o direito a brincar pelas ruas, vilas e vielas sem perigo de morte, as mulheres (de todas as cores e perfis) têm o direito a circular pelas ruas sem serem importunadas, estupradas ou mortas, a comunidade LGBTQI+ precisa ser vista como integrante da sociedade, como de fato é, e os idosos precisam de proteção e amparo.

O direito à vida é um direito constitucional e que deve ser disponibilizado a todos e todas e para isso é preciso valorizar todos os profissionais envolvidos na questão da violência, como os profissionais da saúde, da educação e da segurança pública. O Estado não está autorizado a valorizar e proteger somente um grupo de servidores públicos, mesmo que alguns empregados do Estado se considerem “mais iguais que outros”.

[*] Doutor em Saúde e Ambiente

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